O legado tóxico de The Biggest Loser e os perigos do culto à dor no emagrecimento
Documentário da Netflix revela abusos do reality show e um personal trainer aponta como o programa perpetua estigmas e práticas prejudiciais à saúde até hoje
O reality The Biggest Loser fez sucesso no mundo inteiro no início dos anos 2000, mostrando participantes obesos em busca de emagrecimento extremo. Agora, o documentário Fit for TV: The Reality of the Biggest Loser, lançado neste mês na Netflix, mostra o que havia por trás da narrativa de “superação”: desmaios, privações, estigmas e consequências físicas e emocionais. Ex-participantes relatam cenas de abuso e exaustão e vêm levantando polêmicas incluindo o nome da treinadora Jillian Michaels.
Para o personal trainer Bruno Sapo, qualificado pela instituição ACE em treinamento de pessoas gordas, o programa ajudou a moldar um imaginário perigoso sobre saúde. “Programas como The Biggest Loser moldaram e refletiram a forma de pensar sobre exercício e alimentação de muita gente. Por muito tempo a única e mais eficaz forma de emagrecer era aquela mostrada no programa: sofrimento, privação, desmaio, gritos por parte do/da Personal Trainer, culpa… Se não fosse assim não servia.”
Esse modelo, segundo ele, levou pessoas a buscarem profissionais que reproduzem a mesma lógica de dor, ignorando os danos à saúde. Bruno lista alguns pontos que ainda aparecem em dietas da moda e desafios nas redes sociais:
– Associar emagrecimento à solução de todos os problemas;
– Usar antes e depois como única métrica de sucesso;
– Reforçar a ideia de que sem dor não há resultado;
– Ridicularizar corpos gordos.
Sobre as famosas fotos de antes e depois, popularizadas no reality, ele frisa: “Condicionar se um treino está ‘funcionando ou não’ baseado em uma foto pode ser muito prejudicial”. Ele lembra que ganhos como melhora do sono, disposição, produtividade e até sintomas da TPM não aparecem em fotos, mas são avanços reais.
O formato de competição também preocupa. “Desafios de emagrecimento potencializam distúrbios alimentares e de imagem. A partir do momento que ‘ganha quem emagrece mais’, a pessoa pode fazer de tudo pra ganhar, o que não necessariamente é saudável”, diz Bruno.
Além do impacto psicológico, há consequências físicas: “Perda de massa magra, queda da imunidade, efeito sanfona, redução no metabolismo entre outros.”
O personal defende que a evolução deve ser medida por indicadores mais inteligentes, como a frequência nos treinos, o aumento de carga nos exercícios e a melhora em hábitos cotidianos. Já o IMC, segundo ele, precisa ser visto com cautela. “O IMC foi criado imaginando um corpo global, branco e generalizado, que não existe. Por muitas vezes, ele é usado de forma discriminatória, desconsiderando a pessoa pelo que ela é e sim por seus números que não se adequam àquela tabela de valores.”
Por Bruno Sapo
Personal trainer qualificado pela instituição ACE em treinamento de pessoas gordas; ex-atleta, educador físico e comentarista; criador da metodologia Treino do Sapo (TDS) baseada nos fundamentos do futebol americano
Artigo de opinião