A Evolução do Figurino em “Vale Tudo” e os Novos Códigos do Poder Feminino
Como a caracterização da protagonista reflete transformações sociais e a pluralidade na expressão do poder feminino desde 1988
O figurino da protagonista Raquel na nova versão de “Vale Tudo”, interpretada por Taís Araújo, reflete mudanças nos códigos de ascensão social e poder feminino desde a exibição original de 1988. A avaliação é de Marcia Jorge, stylist, figurinista e consultora de marca pessoal, que aponta como a produção atual equilibra evolução estética e preservação de identidade. “Quando Raquel conquista espaço como empresária, ela adota tecidos mais nobres, cortes refinados e blazers, mas mantém as estampas, agora menores, preservando sua essência”, afirma.
Segundo Marcia, a figurinista Mari Salles construiu um guarda-roupa condizente com o início da trajetória da personagem, que é uma guia turística em Foz do Iguaçu, com peças estampadas, tecidos acessíveis como poliéster e elastano e modelagens confortáveis. A abordagem difere da versão original com Regina Duarte, quando a ascensão feminina na trama era representada pelo power dressing, marcado por ternos de risca de giz e alfaiataria pesada.
As mudanças no figurino dialogam com transformações socioculturais. Nos anos 1980, o mercado de trabalho feminino brasileiro ainda consolidava a presença de mulheres em cargos de liderança, para se ter uma ideia, em 1988, elas eram cerca de 33% da força de trabalho formal, segundo o IBGE, e ocupavam menos postos de chefia. Hoje, com 39% das posições de liderança, conforme o relatório Women in Business 2024, há mais liberdade para que a roupa comunique pluralidade sem depender de um único código visual de poder.
O impacto de novelas no consumo de moda continua relevante, levantamento da Kantar IBOPE Media mostra que 68% dos telespectadores já buscaram informações ou compraram produtos exibidos em tramas televisivas. Para Marcia, isso reforça a responsabilidade do figurino em criar repertórios visuais que possam inspirar novas narrativas sobre sucesso e estilo.
Ela compara o trabalho de caracterização a um processo de rebranding, prática que também aplica junto a clientes em transição de carreira ou posição social. “A transformação de imagem deve respeitar a autenticidade. A comunicação visual precisa refletir quem a pessoa é, suas crenças e objetivos, sem apagar a história que construiu”, diz.
A especialista lembra que, historicamente, as novelas ditam tendências. “Antes das redes sociais, muitas modas chegavam às ruas por meio das tramas televisivas. Era comum ver peças se esgotarem no atacado depois que apareciam em personagens de destaque. O fascínio do público permanece, mas hoje dialoga com outras referências e formatos”, analisa.
Por Marcia Jorge
Stylist, figurinista e consultora de marca pessoal; psicóloga de formação; experiência no mercado da moda desde 1998; colunista de moda do Portal Terra; colaboradora de diversos veículos de comunicação; responsável por figurinos em campanhas publicitárias e editoriais de moda no Brasil e exterior; aparições no programa “Mais Você”
Artigo de opinião