A padronização da moda digital ameaça a diversidade cultural e intensifica o descarte têxtil

Como algoritmos e tendências virais uniformizam estilos, prejudicam saberes regionais e impulsionam um consumo insustentável que impacta o meio ambiente e a economia local

A padronização estética impulsionada por algoritmos e tendências virais está apagando marcas identitárias da moda brasileira e global. Ao privilegiar formatos visuais validados nas redes sociais, o sistema digital reduz o espaço para expressões culturais regionais e artesanais. Quando todo mundo está usando a mesma silhueta, a mesma cartela de cores e os mesmos acessórios, é natural que o olhar para o que é local se perca. E isso empobrece não só a moda, mas a memória cultural de um povo.

A indústria têxtil global é responsável por cerca de 10% das emissões de gases de efeito estufa e gera mais de 92 milhões de toneladas de resíduos por ano, grande parte decorrente de ciclos de consumo cada vez mais curtos. No Brasil, são descartadas em média 170 mil toneladas de roupas anualmente, muitas ainda em bom estado. O ciclo de vida de uma peça encurtou drasticamente. Quando a tendência nasce nas redes, já se sabe que há grande probabilidade de ela morrer em semanas, e isso alimenta um descarte prematuro.

O impacto não é apenas ambiental. A necessidade de atualização constante no vestuário está ligada ao aumento da ansiedade e da sensação de inadequação social. O chamado “efeito manada” é evidente: o algoritmo não só mostra o que está na moda, como faz você acreditar que, se não estiver usando aquilo, está atrasado. É uma pressão silenciosa, mas muito eficiente.

A perda de diversidade cultural também tem consequências econômicas. Negócios ligados à moda artesanal e ao design autoral representam cerca de 5% do PIB da economia criativa, movimentando mais de R$ 50 bilhões por ano. No entanto, esses empreendimentos estão entre os mais prejudicados pela homogeneização estética, que concentra a demanda em produtos massificados. Quando o consumidor opta pelo que está no topo do feed, raramente chega até a marca pequena que trabalha com renda renascença no Nordeste ou com tecelagem manual no Sul. Isso cria um apagamento silencioso de saberes e de renda para comunidades inteiras.

O ciclo curto das tendências também acelera impactos ambientais. Prolongar a vida útil de uma peça em apenas nove meses pode reduzir em até 30% sua pegada de carbono, consumo de água e geração de resíduos. Mas tendências virais duram, em média, de quatro a seis semanas, exigindo produção intensiva, aumentando a pegada de transporte e multiplicando o descarte em aterros sem reciclagem possível.

O reflexo aparece no comportamento de compra. 67% dos consumidores da Geração Z sentem “pressão para acompanhar tendências” e 42% admitem comprar roupas não planejadas após vê-las repetidamente nas redes. No Brasil, cada peça é usada em média apenas sete vezes antes de ser descartada. Essa ansiedade por atualização não é só uma questão estética. É um gatilho de consumo insustentável que afeta o bolso, a saúde mental e o planeta.

A valorização da diversidade cultural na moda é um antídoto contra esse processo. Isso envolve incentivar produções artesanais, resgatar técnicas tradicionais e fortalecer marcas regionais. A roupa é também um documento cultural. Ao escolher consumir o que carrega história e contexto, o consumidor preserva identidades e reduz o impacto ambiental. É uma escolha que vai muito além do que se vê no espelho.

M

Por Marcia Jorge

Stylist, figurinista e consultora de marca pessoal; psicóloga de formação; experiência no mercado da moda desde 1998; atuação em grandes campanhas publicitárias e editoriais; colunista de moda e colaboradora em veículos de comunicação; aparições em programa televisivo "Mais Você"

Artigo de opinião

👁️ 42 visualizações
🐦 Twitter 📘 Facebook 💼 LinkedIn
compartilhamentos

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar