Os Perigos da Adultização Precoce: Como a Erotização Infantil Afeta o Desenvolvimento Emocional
Entenda os impactos da exposição precoce a conteúdos sexualizados e a importância de proteger a infância na era digital
Vivemos numa época em que a infância está sob ataque. Não de uma ameaça abstrata, mas de um fenômeno social concreto, silencioso e progressivo: a adultização precoce das crianças – um processo que rouba sua inocência, desregula seu desenvolvimento emocional e, em casos extremos, cria terreno fértil para a exploração sexual infantil.
Adultizar uma criança não é vesti-la como um adulto. É atribuir a ela responsabilidades, desejos, comportamentos e aparências que seu cérebro e sua psique ainda não têm maturidade para processar. E isso tem um custo.
Estudos neurocientíficos de instituições como o Harvard Center on the Developing Child mostram que o cérebro infantil se desenvolve em ciclos sensíveis, com estruturas como o córtex pré-frontal (responsável por julgamento, autocontrole e tomada de decisão) amadurecendo apenas na adolescência tardia. Ao expor crianças a conteúdos sexualizados, aceleramos demandas emocionais que elas não têm capacidade de metabolizar.
O resultado são quadros de ansiedade, depressão, transtornos de imagem corporal, déficit de atenção, comportamentos impulsivos e maior vulnerabilidade ao abuso. A plataforma PubMed reúne mais de 120 estudos que conectam a exposição precoce à hipersexualização (inclusive em redes sociais) com sintomas de sofrimento psíquico persistentes até a idade adulta. A Organização Mundial da Saúde alerta que a erotização infantil é uma forma de violência psicológica. E isso, infelizmente, está sendo normalizado — pela mídia, pela cultura pop e, sobretudo, pelas redes sociais.
O consumo desregulado de telas (YouTube, TikTok, Instagram, Kwai, e jogos como Roblox) não é só entretenimento. É formação neural. Quando uma criança passa horas sendo bombardeada por imagens de “influencers mirins”, desafios de dança hipersexualizados e filtros que distorcem o corpo, ela está internalizando valores, modelos de identidade e desejos que pulam etapas cruciais do desenvolvimento psicológico.
Segundo a Elsevier, crianças com tempo de tela acima de 3 horas diárias têm maior ativação da amígdala cerebral, centro do medo e do estresse, e menor conectividade no córtex pré-frontal medial, implicado na empatia e autorregulação. Isso gera um padrão mental: impulsividade + dessensibilização emocional + busca por validação externa = terreno ideal para exploração emocional e sexual.
Nesse cenário, o trabalho do Youtuber Felca ganha relevância como um raro grito de lucidez. Ao criticar a adultização infantil promovida por influenciadores mirins e a normalização da erotização de crianças nos conteúdos mais populares da internet, Felca toca numa ferida que muitos preferem ignorar. Sua abordagem, embora humorada, revela o absurdo de tratarmos crianças como mini celebridades sexys — e de pais que, inconscientemente ou por ignorância, colaboram com isso.
Felca faz o que boa parte das instituições falha em fazer: denunciar o insidioso processo de erosão da infância travestido de “conteúdo divertido”. Sua crítica é um alerta necessário para pais, educadores e legisladores.
As consequências quando essas crianças viram adultos são graves. Estudos da Lancet Psychiatry e da Lilacs indicam que adultos que foram sexualizados precocemente apresentam maior propensão a:
– depressão e ideação suicida;
– transtornos de personalidade;
– dificuldades de intimidade emocional;
– baixa autoestima crônica;
– relações abusivas e hipersexualizadas;
– adição a pornografia ou comportamentos autodestrutivos.
Esses padrões têm raízes profundas, muitas vezes invisíveis aos olhos de pais que, mesmo bem-intencionados, permitiram — ou expuseram — seus filhos à erotização crônica desde cedo.
Para os pais, há sinais que não podem ser ignorados:
– Crianças imitando poses sensuais de adultos;
– Interesse excessivo por validação estética nas redes;
– Falas sobre “ser sexy”, “ser gostosa(o)”, “fazer sucesso”;
– Irritação quando não recebem curtidas ou visualizações;
– Preocupação exagerada com aparência e filtros;
– Falta de interesse por brincadeiras lúdicas e espontâneas.
Para prevenir a adultização dos filhos, é fundamental desligar as telas, sentar no chão com a criança, brincar, ouvir e estar presente. Criança que tem vínculo seguro com os pais busca menos aprovação fora de casa. Limitar o tempo de tela a no máximo 1 hora por dia para menores de 10 anos, sempre supervisionado e sem exceções, é essencial.
Se queremos proteger a infância, o começo é em casa. Comece agora.
Por Dr. João Borzino
médico e terapeuta
Artigo de opinião