O Crescente Papel da Ovodoação e o Desafio do Planejamento Reprodutivo no Brasil

Com mais de 12% dos bebês de fertilização in vitro nascendo de óvulos doados, é urgente repensar o tempo e a informação na jornada da maternidade consciente.

Independentemente do momento de vida, o desejo de ter filhos, seja um, dois ou mais, precisa ser tratado com a mesma seriedade de qualquer outro projeto de longo prazo. No consultório, é comum ver mulheres e casais lidando com decisões urgentes que poderiam ter sido evitadas com um pouco mais de informação e planejamento. Quando o assunto é fertilidade, principalmente a feminina, o tempo é um fator determinante, frequentemente negligenciado.

É compreensível, pois na faixa dos 30 anos, muitas mulheres estão focadas em construir suas carreiras, consolidar relacionamentos ou simplesmente vivendo a plenitude da autonomia conquistada. Mas é justamente nesse período que o relógio biológico começa a emitir sinais mais sutis. A fertilidade da mulher sofre uma queda natural após os 30 e se acelera após os 35. Aos 40, metade das mulheres já enfrenta dificuldades significativas para engravidar naturalmente. Isso precisa ser parte da conversa, principalmente para quem deseja mais de um filho.

Se você é uma dessas mulheres, saiba que o planejamento familiar não começa quando o desejo de ter filhos aparece. Ele deve começar com a avaliação da saúde reprodutiva, ainda que a decisão de ter filhos esteja distante. Um simples exame de sangue, o hormônio antimulleriano (AMH), oferece uma estimativa da reserva ovariana e pode orientar sobre a necessidade de antecipar escolhas. Para os homens, o espermograma também é um exame acessível e revelador.

Falo com frequência sobre um conceito fundamental, que é a maternidade consciente. Ou seja, aquela amparada por informação e escolhas realistas. Há alguns anos, acompanhei uma paciente que optou por congelar óvulos aos 37. Ela se casou depois dos 40 e, recentemente, aos 50 anos, decidiu realizar o sonho da maternidade com os próprios óvulos congelados. Ela teve sorte e a ciência ao seu lado. Mas é importante dizer que nem todas as mulheres terão a mesma resposta ou os mesmos resultados. A tecnologia reprodutiva é uma aliada valiosa, mas não é uma promessa infalível.

Entre 2018 e 2023, observamos um dado preocupante: a idade média das mulheres que procuraram a Huntington já estava em 35 anos ou mais. Isso mostra o quanto ainda precisamos falar sobre planejamento, especialmente entre aquelas que desejam uma família maior. Afinal, para ter dois ou três filhos, é preciso não apenas mais tempo, mas também mais saúde reprodutiva disponível.

Outro dado que ajuda a dimensionar essa realidade vem da Red Latinoamericana de Reproducción Asistida (Redlara), organização que reúne clínicas de reprodução humana na América Latina. Segundo o levantamento mais recente da instituição, de 2019 a 2023, cerca de 18.500 pessoas doaram óvulos no Brasil, um número que, à primeira vista, parece expressivo, mas que ainda está longe de atender à crescente demanda por ovorecepção. No mesmo período, mais de 5.000 crianças nasceram no país a partir desses óvulos doados, o que representa 12,5% de todos os nascimentos por fertilização in vitro (FIV), que somaram pelo menos 40 mil. Ou seja, a cada oito bebês concebidos por FIV, um nasceu a partir da doação de óvulos.

Esse dado evidencia que a fertilização assistida já é uma realidade para muitas famílias brasileiras e, ao mesmo tempo, revela a urgência de se discutir, com franqueza e responsabilidade, o impacto do tempo sobre a fertilidade. A ovodoação pode ser uma alternativa, mas não é uma certeza. O ideal é que a mulher tenha tempo e autonomia para decidir antes que essa seja a única opção.

Por isso, defendo que o planejamento familiar entre na pauta de saúde da mulher da mesma forma que prevenção de doenças e cuidados ginecológicos. E não apenas do ponto de vista clínico, mas também emocional e financeiro. Ter filhos é uma decisão complexa e bonita, que merece ser tratada com a dignidade e a preparação que ela exige.

Quem está nos seus 30 anos, talvez seja a hora de se perguntar: “E se eu quiser mais de um filho?”. A resposta não está apenas no coração. Ela também está nos exames, nas possibilidades que a medicina oferece e, principalmente, na escolha de se antecipar. A maternidade pode (e deve) ser um projeto. E quanto antes ele começar, maiores são as chances de realizá-lo da forma que você deseja.

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Por Dr. Eduardo Motta

fundador do Grupo Huntington Medicina Reprodutiva

Artigo de opinião

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