Personalidade e Burnout: Como Traços Comportamentais Influenciam o Esgotamento no Trabalho

Entenda quais características pessoais aumentam o risco de burnout e como as organizações podem agir para prevenir esse fenômeno crescente.

Desde o fim de maio passado, as empresas brasileiras discutem um novo marco legal sobre saúde mental no ambiente corporativo. A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), cuja obrigatoriedade de implementação foi adiada para 2026, prevê que as organizações identifiquem e mitiguem riscos psicossociais como estresse, assédio moral e sobrecarga emocional. Nesse contexto, gestores e profissionais de Recursos Humanos precisam compreender, mais do que nunca, as diferenças individuais e condições de trabalho que podem levar ao burnout.

Estudos recentes da Hogan Assessments – uma das maiores editoras de testes psicológicos do mundo, com foco na avaliação da personalidade no trabalho – apontam que determinados traços de personalidade podem levar algumas pessoas a experimentarem o esgotamento profissional mais rápido que outras.

“O burnout não é apenas resultado de características individuais; ele decorre de uma combinação de fatores. Ambientes tóxicos, demandas excessivas e chefias hostis podem levar ao esgotamento até o profissional mais resiliente”, alerta Roberto Santos, sócio-diretor da Ateliê RH, empresa que distribui os assessments Hogan no país.

Maior suscetibilidade ao estresse
A pesquisa da Hogan, feita a partir das respostas dos testes psicológicos da empresa, o que configura uma base de milhares de respostas ao redor do mundo – inclusive no Brasil – aponta que, embora qualquer pessoa esteja sujeita ao estresse crônico, dois traços estão associados a um risco maior de burnout: escores baixos nas escalas Ajustamento e Ambição – medidas utilizadas para se avaliar os traços de personalidade de um indivíduo.

“O traço de Ajustamento refere-se à estabilidade emocional e resiliência a pressões diárias. Pessoas com baixa pontuação nessa escala são mais sensíveis ao estresse e menos resilientes, ficando suscetíveis à exaustão durante longos períodos de tensão. Elas têm elevada autocrítica, sentem-se facilmente sobrecarregadas, preocupadas e inseguras sob pressão, e apresentam dificuldade em “desligar” emoções negativas após o expediente”, explica Santos.

Já profissionais com baixa pontuação em Ambição revelam perfis que se dedicam ao trabalho sem buscar avanço a posições de liderança. Geralmente, não gostam de competir e podem se sentir sobrecarregados quando precisam assumir responsabilidades adicionais ou se comprometer com metas ambiciosas.

A pesquisa da Hogan Assessments também identificou 11 comportamentos do chamado lado “sombra” da personalidade ou “descarriladores de carreira”, comportamentos que podem tirar a carreira profissional dos trilhos. Dois desses traços são indicativos de maior propensão à doença: escores elevados nas escalas Temperamental e Cauteloso.

De acordo com o estudo, profissionais com uma alta pontuação na escala Temperamental são pessoas muitas vezes apaixonadas pelo que fazem, e bastante enérgicas, porém emocionalmente voláteis – com tendência a oscilar do entusiasmo à frustração rapidamente. Esse mesmo fervor que os impulsiona pode levá-los ao esgotamento, pois costumam ter maior dificuldade em gerenciar emoções negativas por se frustrarem facilmente, o que pode levar ao estresse prolongado.

“Por outro lado, indivíduos com pontuações elevadas em Cauteloso tendem a evitar riscos por medo de falhar. Embora prudentes, hesitam na tomada de decisões em ambientes de alta pressão, paralisando-se diante da possibilidade de erro, o que aumenta a sensação de sobrecarga e exaustão”, alerta o executivo.

Como identificar riscos no cotidiano corporativo
No dia a dia, profissionais com baixa estabilidade emocional (Ajustamento) frequentemente reagem intensamente a contratempos. Pequenas mudanças, conflitos ou cobranças adicionais podem gerar níveis desproporcionais de estresse ou irritação. Esses indivíduos demonstram mudanças de humor frequentes, pessimismo e dificuldade de concentração. Quando também apresentam baixa Ambição, tendem a evitar desafios ou grandes responsabilidades, permanecendo em suas zonas de conforto.

“No curto prazo, isso pode funcionar como mecanismo de proteção. Porém, em cargos de alta demanda, resulta em acúmulo de tarefas, adiamento de decisões importantes e sensação de incapacidade diante de exigências crescentes, levando ao burnout”, explica Santos.

Profissionais com traços Temperamental e Cauteloso deixam claras pistas de risco no cotidiano. Um gestor com alto traço Temperamental inicia projetos com entusiasmo, mas desanima rapidamente frente a obstáculos, tornando-se emocionalmente imprevisível. Essa instabilidade cria insegurança na equipe.

Já o profissional excessivamente Cauteloso mostra relutância em tomar decisões difíceis ou inovar, avaliando excessivamente riscos mínimos. Em ambientes acelerados, essa hesitação pode levar à perda de prazos e oportunidades, acumulando pressão sobre si e colegas. Sua necessidade constante de validações amplifica o estresse e pode afetar o ambiente organizacional.

Burnout como fenômeno sistêmico
O burnout não é apenas um problema individual, mas organizacional e cultural. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica-o como “fenômeno ocupacional”, resultado de estresse crônico no trabalho mal gerenciado.

O esgotamento surge quando há descompasso persistente entre demandas do trabalho e capacidade do indivíduo para supri-las. Embora fatores de personalidade influenciem, o contexto é determinante: em uma cultura saudável e com gestão sustentável, até pessoas predispostas podem evitar o burnout; já ambientes tóxicos prejudicam até os profissionais mais resilientes.

Pesquisas da Gallup mostram que principais causas de burnout estão ligadas ao ambiente e às práticas de gestão: tratamento injusto, cargas excessivas, falta de clareza, ausência de apoio das lideranças e prazos irreais. A conclusão dominante dessa pesquisa é clara: “as pessoas deixam os chefes, não as empresas”.

Uma análise da McKinsey também indica que locais de trabalho hostis, com liderança abusiva ou demandas excessivas, elevam drasticamente as taxas de burnout. Funcionários em ambientes tóxicos têm probabilidade muito maior de se desligar devido ao esgotamento. Demandas crônicas que superam recursos disponíveis, como equipes reduzidas após demissões sem ajustes equivalentes nas metas, causam sobrecarga, jornadas excessivas e estresse exacerbado. Todos esses fatores residem na esfera de responsabilidade das organizações.

Estratégias de mitigação
Enfrentar o burnout exige um olhar integrado. “Compreender quem somos afeta nossa reação às pressões, mas é a cultura e a estrutura ao nosso redor que definem o limite entre desafio saudável e sobrecarga”, ressalta Roberto Santos.

Para profissionais de RH, mapear e gerir proativamente as vulnerabilidades comportamentais das equipes e dos líderes desde a contratação é tão estratégico quanto gerenciar produtividade, orçamento ou inovação.

“A mensagem é clara: o investimento em avaliações que identifiquem essas vulnerabilidades comportamentais não é só uma boa prática, mas uma estratégia essencial para promover ambientes saudáveis e produtivos, especialmente diante da nova exigência da NR-1”, conclui o especialista.

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Por Roberto Santos

sócio-diretor da Ateliê RH, empresa que distribui os assessments Hogan no país

Artigo de opinião

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