O Poder Transformador das Mulheres no Universo do Vinho
Como o consumo consciente e coletivo de vinho tem sido um espaço de fortalecimento feminino e construção de redes de apoio
O vinho deixou de ser território exclusivo dos homens. Cada vez mais mulheres têm ocupado esse espaço com propósito, aprendizado e rede de apoio. Como lembra Gabriela Monteiro, idealizadora do projeto, trata-se de cultura, escolhas e pertencimento.
Uma taça pode ser o início de uma revolução silenciosa, que acontece também no Wine Jazz Festival de Iguaba Grande, de 8 a 10 de agosto na Região dos Lagos.
Por trás das taças erguidas nos festivais de vinho que vêm ganhando espaço na Região dos Lagos, há uma movimentação que vai além da enogastronomia. Grupos de mulheres têm transformado esses eventos em oportunidades de encontro, escuta e construção de rede, ocupando espaços historicamente associados ao consumo masculino de forma consciente e coletiva.
Um exemplo disso é a Confraria Vinho Delas, criada em Araruama e hoje também presente em Niterói. Formado por mulheres que se reúnem para conversar, trocar experiências e apreciar vinhos, o grupo tem marcado presença em eventos públicos da região. No Araruama Wine Jazz Festival, além de participar da programação, lançou seu próprio rótulo, um gesto que simboliza autonomia e protagonismo feminino em um universo ainda elitizado e masculinizado.
Essa relação entre o consumo de vinho e o fortalecimento da identidade feminina não é exclusiva da Região dos Lagos. Pesquisas internacionais e brasileiras apontam que, ao se apropriarem desse espaço, as mulheres também se apropriam de discursos, escolhas e pertencimento.
Um estudo publicado pela PUCRS em 2017, por exemplo, analisou grupos femininos formados exclusivamente para a apreciação de vinhos, mostrando que essas confrarias funcionam como espaços de afirmação social e fortalecimento da presença feminina em um cenário tradicionalmente dominado por homens.
Outro levantamento, realizado na Itália e publicado com o título “Wine and Women”, observou que mulheres tendem a consumir vinho com mais atenção à qualidade, ao contexto e à estética e que, quando se sentem confiantes, tornam-se protagonistas da experiência, quebrando o padrão de dependência das recomendações masculinas.
A Confraria Vinho Delas também estará presente no Wine Jazz Festival de Iguaba Grande, que ocorre entre os dias 8 e 10 de agosto. Para elas, o vinho é apenas um ponto de partida: o verdadeiro valor está na construção de vínculos entre mulheres que, muitas vezes, vivem rotinas solitárias ou atravessadas por sobrecarga. O ambiente dos festivais, por sua vez, abre espaço para que essas relações se fortaleçam.
Para Gabriela Monteiro e Daniele Rodrigues, enófilas da Confraria, a experiência vai além do paladar: “As mulheres aprendem sobre a cultura do vinho, como escolher o rótulo certo, como harmonizar com comidas e com ocasiões específicas.”
Quezia Tebet, uma das idealizadoras, destaca que o impacto real está na troca: “É um ambiente excelente para fazer networking, divulgar negócios e trocar experiências. As mulheres se fortalecem umas às outras ali”, explica.
Embora pareçam encontros casuais, esses movimentos revelam uma dimensão social importante: a ocupação de espaços culturais por mulheres que buscam não apenas lazer, mas pertencimento. Como mostrou um estudo publicado no Reino Unido, mulheres entre 40 e 65 anos associam o ato de beber vinho com rituais de transição do “dever” ao “prazer”, reforçando vínculos e criando espaços simbólicos de liberdade.
Em tempos de pressa e isolamento, os momentos compartilhados em eventos como esses podem ser, ainda que silenciosamente, profundamente transformadores.
No fim das contas, talvez a pergunta mais importante não seja o que beber, mas com quem brindar, e por quê.
Por Letícia Graf
Assessora de Imprensa
Artigo de opinião