O Silêncio Mortal: Suicídios entre Policiais Superam Mortes em Serviço no Brasil

O colapso emocional nas forças de segurança exige atenção urgente e ações estruturais para prevenção

O novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública escancara uma ferida que o país insiste em não tratar. Pela primeira vez, o número de policiais que tiram a própria vida supera o de agentes mortos em confrontos. O dado interrompe o silêncio, revelando que há algo profundamente errado com o modo como tratamos quem nos protege.

A farda pesa. E o que a maioria não vê é que o peso maior não vem das armas ou dos turnos exaustivos, mas da dor que esses profissionais carregam sozinhos, da ideia de que fraqueza é imperdoável, da ausência de escuta e cuidado.

“Estamos diante de um colapso emocional institucionalizado. Esses profissionais enfrentam cenas de violência diariamente, mas não têm nenhum espaço real para metabolizar o que vivem. A exigência de que sejam inabaláveis está matando essas pessoas”, afirma a psicóloga Êdela Nicoletti, especialista em Terapia Comportamental Dialética e transtornos relacionados ao trauma.

O adoecimento não é visível a olho nu, mas está lá, na irritação crescente, no sono interrompido, nos comportamentos impulsivos, no uso excessivo de álcool, nas relações rompidas. E, em muitos casos, no endividamento.

“Muitos policiais vivem sob pressão financeira intensa, com empréstimos, contas atrasadas e vergonha. Isso afeta o senso de dignidade e de competência, e quando somado ao estresse crônico do trabalho, se transforma em desespero”, explica Vinícius Dornelles, psicólogo, mestre em cognição humana e especialista em prevenção do suicídio.

É nesse cenário que a Terapia Comportamental Dialética (DBT) se destaca. Desenvolvida por Marsha Linehan, a DBT é uma abordagem validada cientificamente para o tratamento de pessoas com ideação suicida e comportamentos autodestrutivos. Seu diferencial está na combinação entre aceitação e mudança, oferecendo ao paciente habilidades para lidar com emoções intensas, reconstruir vínculos e voltar a enxergar sentido onde antes havia apenas exaustão.

“A DBT não nega o sofrimento. Ela o reconhece como legítimo e, a partir disso, oferece caminhos concretos para que a pessoa se mantenha viva, mesmo nos dias mais difíceis”, afirma Êdela.

Para os especialistas, a prevenção precisa sair do discurso e entrar na estrutura. Isso inclui escuta qualificada, apoio psicológico contínuo, revisão de protocolos internos e formação de lideranças que saibam reconhecer sinais de risco.

“Não basta reagir depois da tragédia, é preciso agir antes. Cada policial que tira a própria vida é um grito de alerta que o sistema ignorou”, conclui Vinícius.

Caminhos possíveis para enfrentar essa crise incluem:
– Criar programas permanentes de saúde mental nas corporações
– Ampliar o acesso a terapias baseadas em evidências
– Estimular ambientes de escuta, acolhimento e não punição
– Incluir habilidades emocionais na formação policial
– Monitorar fatores de risco como dívidas, uso de substâncias e histórico de trauma

É urgente que o país reconheça e trate o sofrimento silencioso dos policiais. Proteger quem nos protege não pode custar vidas.

D

Por Dérek Bittencourt

Artigo de opinião

👁️ 64 visualizações
🐦 Twitter 📘 Facebook 💼 LinkedIn
compartilhamentos

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar

Comece a digitar e pressione o Enter para buscar