O Silêncio do Luto Parental: Enfrentando a Dor da Perda de um Filho
Entender, acolher e respeitar o luto dos pais que perderam seus filhos é fundamental para transformar um sofrimento profundo e muitas vezes invisibilizado.
Viúvo é quem perde a esposa. Viúva, quem perde o marido. Órfão é o filho ou filha que perde os pais. Mas, e os pais que perdem um filho? Que nome damos a essa condição? O silêncio linguístico sobre essa dor talvez revele o tamanho do tabu que ainda recai sobre o luto parental.
Segundo Blenda Oliveira, doutora em Psicologia pela PUC-SP e Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, a morte de um filho é uma das experiências mais devastadoras que um ser humano pode enfrentar. “Para os pais, a perda não é apenas de alguém amado. É a ruptura de um projeto de vida, de uma identidade construída na relação com esse filho, de uma esperança projetada no futuro. É uma dor que toca o mais profundo da existência”, afirma.
Blenda explica que, em geral, as perdas são compreendidas dentro de uma ideia de ordem natural: os mais velhos partem antes. Quando essa ordem se inverte, como na perda de um filho, o impacto psicológico é ainda mais intenso. “O luto dos pais é visceral. É um tipo de rompimento que não admite preparo prévio, porque fere a própria estrutura emocional e simbólica da parentalidade”, completa.
O silêncio e as falas que ferem
Muitos pais enlutados se veem diante de um cenário de incompreensão. Frases como “Você ainda pode ter outro filho” ou “Pelo menos ele não sofreu” são ditas com boas intenções, mas acabam invalidando o sofrimento e dificultando a elaboração do luto.
“Essas expressões tentam racionalizar uma dor que é irracional, e isso pode fazer com que os pais se sintam ainda mais isolados”, observa a psicóloga. “É preciso entender que não há consolo possível em tentar substituir, minimizar ou comparar perdas. Cada vínculo é único, e o luto exige tempo, espaço e escuta.”
Impactos psicológicos
Estudos da American Psychological Association (APA) mostram que pais que enfrentam a morte de um filho apresentam risco elevado para desenvolver transtornos mentais como depressão grave, ansiedade generalizada, distúrbios do sono e, em casos mais severos, ideação suicida. “O primeiro ano após a perda costuma ser o mais crítico, mas é justamente quando há menos suporte emocional estruturado. As redes familiares, escolares e até de saúde muitas vezes não sabem como acolher, e isso amplia a solidão desses pais”, pontua Blenda. Para ela, ter um ambiente seguro com um profissional pode ser importante para o atravessamento desta fase.
Como acolher pais que perderam um filho?
Blenda lista atitudes que podem ajudar no acolhimento a pais em luto. Mais do que consolar, trata-se de reconhecer, respeitar e estar presente:
– Escute mais do que fale
Evite frases prontas ou tentativas de consolo imediatas. O silêncio respeitoso e a escuta ativa são formas profundas de cuidado. Permitir que a dor seja expressa, sem julgamento, é essencial.
– Ofereça presença, não soluções
Não há conserto para essa perda. Esteja junto, mesmo sem saber o que dizer. Pequenos gestos, como lembrar de datas ou enviar uma mensagem sincera, podem fazer grande diferença.
– Respeite o tempo de cada um
O luto não segue um cronograma. Frases como “Você já está melhor?” ou “É hora de seguir em frente” podem causar mais dor. Cada pessoa vive essa jornada de forma única.
– Lembre-se das datas significativas
Aniversários, feriados, o dia da perda ou datas comemorativas como o Dia das Mães e dos Pais podem ser especialmente difíceis. Demonstrar lembrança e solidariedade nesses momentos é um ato de profundo afeto.
– Fale o nome do filho, se houver abertura
Evitar o nome do filho pode passar a sensação de que sua existência foi apagada. Se houver intimidade e permissão, mencionar o nome e relembrar histórias pode ser um gesto poderoso de validação e carinho. Mas, tudo a seu tempo. Observe se há espaço para isso.
– Não julgue as formas de luto
Chorar ou não chorar, falar ou se calar, querer estar com pessoas ou preferir o isolamento – tudo pode fazer parte. O importante é não cobrar atitudes ou comparações com outras histórias.
– Ajude de forma concreta
Oferecer uma refeição, ajudar com tarefas do cotidiano, simplesmente acompanhar em uma consulta, por exemplo, são formas práticas de apoio que aliviam o peso diário.
– Incentive, com delicadeza, o cuidado profissional
Se perceber que a dor está impossibilitando a pessoa de seguir, fale com empatia sobre a importância de procurar um psicólogo ou grupo de apoio. A ajuda especializada pode ser decisiva para atravessar o processo.
O papel da sociedade
A psicóloga também chama atenção para o papel das instituições sociais e da mídia na transformação desse cenário. “Precisamos romper com a lógica da superação imediata. O luto não é uma doença, mas sim um processo humano, legítimo e necessário. Naturalizar o tema da morte é também promover a vida.”
Ela defende que escolas, universidades, igrejas e meios de comunicação abordem o tema com mais frequência e responsabilidade. “Quando o sofrimento é reconhecido e legitimado, a pessoa enlutada se sente menos sozinha. A escuta empática é o primeiro passo para qualquer possibilidade de elaboração emocional.”
Por fim, Blenda lembra que o luto não tem fim, mas pode ser ressignificado. “Não se trata de esquecer ou superar, mas de integrar essa dor à vida. Com o tempo, a memória do filho ou filha pode ganhar um lugar de ternura e não apenas de sofrimento. Falar sobre isso é uma forma de manter o vínculo e seguir caminhando.”
Por Blenda Oliveira
Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP); Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP); autora do livro Fazendo as pazes com a ansiedade; palestrante sobre saúde mental e autoconhecimento
Artigo de opinião