Elopement no Autismo: Entendendo o Comportamento de Fuga e Seus Riscos

Como a falta de preparo da sociedade e do poder público pode transformar uma reação impulsiva em tragédia para crianças autistas

Cerca de 50% das crianças com autismo já tentaram se afastar sozinhas em algum momento, segundo a National Autism Association. Esse comportamento, conhecido como elopement, pode ser fatal – como mostrou a recente tragédia no Rio Grande do Sul. Poucos conhecem a palavra elopement (do inglês: fuga ou evasão), mas muitas famílias convivem com seus riscos diariamente.

Trata-se de uma reação impulsiva de fuga, comum entre crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que se afastam repentinamente de um local seguro, caminhando ou correndo, muitas vezes sem qualquer sinal prévio. A tragédia recente envolvendo a menina Bianca Zanella, de 11 anos, que caiu de um penhasco no Cânion Fortaleza (RS), expôs de forma dolorosa como essa conduta impulsiva pode ter consequências irreversíveis quando a sociedade não está preparada para lidar com ele.

Bianca, segundo os bombeiros que atenderam a ocorrência, era autista e estava com a família durante um passeio turístico. Em um momento de pausa para o lanche, ela se afastou repentinamente e correu em direção ao penhasco. O pai tentou alcançá-la, mas não conseguiu impedi-la de cair de uma altura de cerca de 70 metros. O resgate, complexo e delicado, mobilizou equipes de três municípios. Infelizmente, a menina foi encontrada sem vida.

Esse tipo de comportamento não é um ato de desobediência ou uma falha na educação familiar, como muitos ainda acreditam. Trata-se de uma resposta neurológica a um mundo frequentemente hostil para pessoas com autismo. Sons intensos, luzes fortes, texturas desconfortáveis, mudanças de ambiente e sobrecarga sensorial são alguns dos gatilhos que podem desencadear o elopement. A fuga, nesses casos, é uma tentativa de autorregulação ou de busca por alívio, e não um ato racional ou planejado.

No Brasil, embora o termo ainda seja pouco conhecido, os relatos de casos semelhantes crescem, e os riscos são evidentes: atropelamentos, afogamentos, desaparecimentos, desorientação em locais desconhecidos, contato com estranhos. Tudo isso faz parte da rotina de muitas famílias, que vivem em constante estado de alerta.

A tragédia de Bianca não é um caso isolado. Ela representa a ponta de um problema mais profundo: a falta de informação, preparo e empatia da sociedade diante das necessidades de crianças com TEA. A prevenção do elopement exige medidas simples, mas eficazes, como supervisão redobrada em locais abertos, pulseiras de identificação, apresentação prévia de ambientes, estratégias de autorregulação e, acima de tudo, conhecimento sobre os gatilhos de cada criança.

Além disso, espaços públicos e turísticos precisam estar preparados para acolher com segurança pessoas neurodivergentes. Isso não significa apenas acessibilidade física, mas também segurança comportamental e sensorial. Guias turísticos, professores, profissionais da saúde e da segurança precisam ser capacitados para reconhecer os sinais de autismo e saber como agir em emergências.

Responsabilizar unicamente os pais ou familiares por tragédias como essa é injusto e simplista. O enfrentamento do elopement deve ser coletivo, envolvendo poder público, instituições, profissionais de diversas áreas e a sociedade como um todo. Informar salva vidas. Ignorar, por outro lado, pode custar muito caro.

A morte de Bianca deve servir como um marco para mudanças urgentes. É preciso que a sociedade compreenda que o autismo não é uma questão de comportamento, mas de percepção de mundo. Crianças autistas não precisam apenas de amor e aceitação — precisam de compreensão, apoio e segurança real. É hora de exigir de autoridades e espaços públicos medidas reais para proteger crianças autistas. Cada vida importa, e a de Bianca não pode ter sido em vão.

B

Por Bruno Luis Simão

licenciado em Pedagogia, Psicopedagogia, Educação Física, Artes visuais e Normal superior com habilitação em Educação Infantil; Especialista em Psicopedagogia, Ludopedagogia, Psicomotricidade, Neuropsicopedagogia e Educação Especial e Inclusiva; mestre em Educação; Mestrando em Artes; professor da Área de Educação na Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter

Artigo de opinião

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