Reinventando o Ensino: O Professor como Designer de Experiências Lúdicas e Transformadoras
Como metodologias ativas e a gamificação estão engajando estudantes da rede pública e ressignificando o papel do educador
A experiência do professor de Biologia Sam Adam Hoffmann demonstra que metodologias ativas podem engajar estudantes e aproximar a escola da realidade dos alunos.
A falta de engajamento em sala de aula quase fez com que Sam desistisse da carreira. Formado em Biologia, ele se viu diante de turmas desmotivadas e de um sistema de ensino que pouco dialogava com a realidade dos estudantes. Foi nesse cenário desafiador que decidiu experimentar novos caminhos — e encontrou, na ludicidade e gamificação, ferramentas para renovar sua prática e fortalecer o vínculo com os alunos.
A primeira tentativa aconteceu em uma escola da rede pública de Curitiba (PR), onde sequer havia recursos para imprimir provas. Diante dessa limitação, Sam propôs uma oficina no contraturno para arrecadar fundos e, ao mesmo tempo, explorar conteúdos de forma prática. A experiência deu tão certo que duas turmas se formaram espontaneamente.
“Como não tinha a pressão da grade curricular, ENEM, vestibulares e assim por diante, fiz algo muito dinâmico, prático, bem mão na massa. A iniciativa superou todas as expectativas, lotando duas turmas e angariando o valor para impressão de provas e trabalhos do ano inteiro. Durante a atividade, o comprometimento e o interesse dos alunos eram completamente diferentes daqueles que via em sala. Foi ali que percebi que o desinteresse dos estudantes estava associado ao modelo de ensino, não ao conteúdo ou a mim, como professor”, conta.
Sem laboratório e com poucos materiais, o professor recorreu à criatividade para transformar conceitos de anatomia — matéria pedida pelos próprios alunos — em uma vivência colaborativa. Em vez de repetir fórmulas prontas, passou a construir com os estudantes atividades conectadas ao seu cotidiano, uma abordagem que viria a se tornar a base de seu trabalho nos anos seguintes.
“Atuar em um ambiente limitado faz aflorar a nossa capacidade de resolução de problemas e a nossa criatividade. As adaptações foram várias, desde criar estratégias de gamificação que fossem offline e analógicas, até minha última criação, o desenvolvimento de um aplicativo educacional que não precisa de celular para ser utilizado”, complementa o professor.
Gamificação como ponte com a realidade
Com o sucesso da aula, Sam decidiu ampliar a proposta. Junto a um amigo, criou o projeto Iniciativa Divulgadores, que levava oficinas práticas e gamificadas de ciências a escolas que tinham famílias em situação de vulnerabilidade. Em pouco tempo, a dupla percorreu mais de 30 escolas com atividades que despertavam o interesse e a curiosidade dos jovens. Mas, com a chegada da pandemia de Covid-19, o projeto precisou ser interrompido.
Foi também durante esse período que o professor de biologia passou a escutar ainda mais atentamente os relatos dos alunos nas aulas remotas. Muitos traziam à tona as dificuldades financeiras enfrentadas por suas famílias — tema que, até então, raramente aparecia nos currículos escolares. A escuta ativa o levou a uma nova reflexão: não bastava repensar a forma de ensinar. Era preciso ressignificar os próprios conteúdos.
“Conhecer as organelas citoplasmáticas da célula vegetal passou a parecer ser uma formalidade supérflua para estudantes que buscavam a primeira colocação no mercado de trabalho e não sabiam se comportar em uma entrevista de emprego, escrever um currículo ou entender que o limite do cartão de crédito não é um ‘presente do banco’ e que eles teriam que pagar por isso depois”, questiona Sam. Aos poucos, as aulas passaram a incluir temas como educação financeira, escolhas profissionais e desenvolvimento socioemocional.
Jogos que ensinam para a vida
Ao retornar ao presencial, o projeto ganhou um novo enfoque: levar educação financeira, empreendedorismo e competências socioemocionais de forma gamificada e acessível. Para dar conta da nova missão, Sam percebeu que precisava de mais apoio. Foi então que conheceu, por coincidência, duas bancárias que, semanas depois, tornaram-se cofundadoras da startup Investeendo junto com o professor.
A startup já impactou mais de 6 mil jovens em três estados brasileiros. O primeiro jogo criado era físico — e ainda hoje é utilizado em diversas escolas, públicas e privadas — mas logo vieram versões digitais. Hoje, os estudantes podem acessar o conteúdo por meio de um aplicativo em tablets ou em um totem que simula um caixa eletrônico, instalado dentro das salas.
Mais do que ensinar termos como juros, poupança ou investimento, os jogos desenvolvidos pela Investeendo são pensados para colocar o estudante no centro do processo. “Fazer uma atividade que tenha o grau de complexidade, por exemplo, que não deixe os mais estudiosos entediados e aqueles com mais dificuldades, ansiosos, é um desafio que pode ser ultrapassado com o uso do game design e da gamificação”, explica Sam, que optou por se desligar do serviço público como professor para comandar o novo projeto recém criado.
Além de facilitar a compreensão de conceitos financeiros, as dinâmicas lúdicas criam microeconomias dentro das turmas, estimulam a tomada de decisão e podem até melhorar o desempenho em outras matérias.
Alunos antes desmotivados começaram a encontrar novos interesses e caminhos. Sam relembra o caso de uma estudante que participou de uma atividade gamificada sobre carreiras na área científica. Anos depois, ele a reencontrou como enfermeira em um hospital. “Alguns anos atrás, eu passei por um procedimento cirúrgico, e a enfermeira que cuidou de mim na UTI era ela. Aquele dia, aquela atividade, fez com que ela criasse um sonho novo, que era trabalhar na área da saúde”.
O professor como designer de experiências
Para Sam, o papel do educador no século XXI é o de designer de experiências de aprendizagem. “Decorar um capítulo e repetir na lousa é algo que qualquer pessoa pode fazer. Mas pensar em percursos personalizados, que respeitam o ritmo, os interesses e os sonhos dos estudantes, é algo que só o professor consegue fazer”.
Ele reconhece os desafios da inovação em contextos escolares marcados pela escassez de recursos, mas acredita que a transformação é possível — e necessária.
“Não se acomodem. A área educacional é muito conservadora e tende a mudar com dificuldade. Ainda encontramos professores que usam as mesmas aulas criadas no início da carreira. Continuar estudando, testando e ouvindo os alunos é um ponto muito importante para quem quer resolver os problemas da educação”, conclui.
Por Jéssica Amaral
Artigo de opinião