RPG: Muito Além do Jogo, Uma Jornada de Transformação Pessoal
Como o RPG promove empatia, autoconhecimento e conexão social, inspirando a literatura e a vida real
Escrever sempre foi, para mim, mais do que uma escolha: foi uma necessidade. Este é o meu primeiro texto como autor, mas não tenho dúvidas de que será o primeiro de muitos. Afinal, por que um geek/nerd como eu começou realmente a escrever?
A resposta é, ao mesmo tempo, simples e profunda.
Passei a vida mergulhado em universos fantásticos – livros, RPGs, séries, filmes, gibis (sim, ainda chamo assim, mesmo com todos os nomes novos como HQ ou mangá). Em cada história, via não apenas mundos mágicos e heróis destemidos, mas espelhos do nosso próprio mundo, cheios de frustrações, desejos, dores e sonhos. Com o tempo, percebi que eu também queria contar essas histórias – do meu jeito, com a minha verdade. Queria mostrar como eu via esse mundo fantástico que, no fundo, sempre foi muito real para mim.
Para entender melhor de onde vem essa vontade de escrever, preciso voltar à origem de tudo: o RPG.
Foi assistindo ao clássico E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg, que vi pela primeira vez um grupo de crianças jogando algo que me encantou profundamente. Eu tinha apenas nove anos quando descobri o D&D (Dungeons & Dragons), e foi como abrir uma porta para outro universo. Aquele jogo se espalhou, ganhou espaço, e eu mergulhei de cabeça. Para quem não conhece, o RPG – sigla de Role Playing Game – é um jogo em que um grupo de pessoas interpreta personagens em uma história criada por um mestre. Pode ser fantasia medieval, ficção científica, super-heróis… o que a imaginação permitir. Cada jogador vive um papel e, juntos, enfrentam desafios, tomam decisões, constroem narrativas. É teatro, é jogo, é criação coletiva.
E mais do que isso: é um espelho de quem somos.
O RPG não é só um jogo. Ele é uma vivência emocional. Em cada sessão, nos permitimos sentir, explorar emoções profundas, viver experiências que talvez jamais poderíamos no mundo real. Quando um personagem se machuca ou morre, a dor pode ser real – e, sim, às vezes dá briga! Mas também é libertador. A cada história que joguei, observei algo fascinante: as pessoas se permitiam ser autênticas. E então pensei: por que não levar isso para os livros?
Escrever fantasia baseada em RPG não é fácil. Como transformar sentimentos como honra, frustração, depressão, poder e empatia em palavras que toquem o outro? Como criar personagens que sejam reais, mesmo em mundos irreais? Esse é o desafio que abracei – e que hoje se tornou minha missão.
Minha amiga e irmã de alma, Dilce Helena Alves Aguzzi, psicóloga clínica especializada em inconsciente coletivo, disse algo que espelhou este texto:
“Expressar aspectos da personalidade que não estão disponíveis para a zona de consciência funciona como um efeito regulador e saudável. Eu vejo o RPG como o mecanismo do teatro, utilizando esses sentimentos arraigados, sendo expressos, trazendo alívio e equilíbrio que, de outras maneiras, não conseguiríamos.”
E foi exatamente isso que vivi.
O primeiro personagem que ganhou vida nos meus livros foi Golandar, um paladino. Seu aspecto psicológico é intenso. Ele criou, dentro de si, um mundo perfeito – um lugar de fuga, porque sua vida real era dura demais. Construi toda uma narrativa ao redor disso. O que era para ser um conto virou um livro de vinte e três capítulos. E cada um deles carrega a mesma essência: levar o leitor a outro lugar, mas também fazê-lo refletir.
A fantasia, para mim, sempre foi um refúgio. E eu tinha bons motivos para buscar esse abrigo.
Sou diabético desde os seis anos de idade. Em 1979, lidar com Diabetes Mellitus era algo muito mais complicado do que hoje. As insulinas eram de origem animal, os recursos eram limitados, e isso afetou minha musculatura. Cheguei a pesar 42 kg com 1,73m de altura. Me sentia frágil, deslocado – o “bicho da goiaba”, como costumo dizer. Minha fuga foi clara: o mundo da imaginação. A fantasia me deu poder, controle, coragem. Me deu voz quando eu me sentia pequeno demais para falar. Hoje, com 52 anos, quero mostrar às pessoas que isso não é apenas uma brincadeira de criança.
A fantasia salva. E o RPG pode transformar vidas.
Jogar RPG é muito mais do que rolar dados. É aprender empatia quando se vive o papel de alguém totalmente diferente de você. É desenvolver habilidades sociais: negociar, planejar em grupo, confiar no outro. É trabalhar a mente com enigmas, estratégias, improvisos – um verdadeiro treino para o cérebro. Além disso, o RPG é inclusivo. Todos têm um lugar: qualquer personagem, de qualquer origem, gênero ou habilidade, tem sua importância. É um ambiente de respeito e acolhimento. É uma fuga saudável, que nos inspira e nos ajuda a enfrentar o mundo real com mais força. Por algumas horas, você pode ser um elfo arqueiro, uma guerreira lendária ou um mago ancestral. E quando volta para si, volta diferente. Melhor. Mais consciente.
O RPG não é só um hobby. É uma forma de aprendizado, conexão e autoconhecimento.
Se você nunca jogou, talvez seja hora de lançar os dados e descobrir o quanto esse universo pode mudar sua vida.
Por Roberto T. G. Rodrigues
escritor, mestre de RPG, criador do universo de A Era de Ouro da Magia, autor de Golandar, o Paladino, de Emma, a Curandeira e de Fenda Esquecida
Artigo de opinião