A Evolução do Papel das Filhas Mais Velhas no Cuidado dos Irmãos: Entre Tradição e Maturidade Emocional
Como a redução dessa prática reflete mudanças sociais, neurocientíficas e culturais na estrutura familiar e no desenvolvimento feminino
O cenário já foi comum em muitas casas: a filha mais velha encarregada de dar banho, alimentar ou embalar o irmão bebê enquanto os pais cumpriam outras tarefas. Hoje, essa imagem tem se tornado menos frequente e levanta questões sobre desenvolvimento, neurociência, papéis familiares e novas dinâmicas sociais.
De acordo com o Dr. Fabiano de Abreu Agrela, pós-PhD em Neurociências e Mestre em Psicologia, a prática de atribuir às filhas mais velhas o cuidado de irmãos mais novos pode ser benéfica desde que respeite limites claros.
Quando feito de forma voluntária, sem substituição da figura materna e dentro de uma estrutura emocional estável, cuidar de um irmão mais novo contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional, do senso de responsabilidade e da empatia.
O neurocientista explica que o envolvimento em cuidados infantis ativa circuitos relacionados à tomada de decisão, controle inibitório e processamento afetivo. Essas funções envolvem áreas como o córtex pré-frontal dorsolateral e o sistema límbico, em especial a amígdala e o cíngulo anterior.
Filhas mais velhas que assumem estes cuidados com equilíbrio demonstram maior maturidade executiva e desempenho social superior, o que está associado a uma aceleração na mielinização de áreas associativas e maior eficiência sináptica.
Por outro lado, há o risco do fenômeno conhecido como parentificação, quando a criança é forçada a assumir funções de adulto.
A imposição de responsabilidades que não correspondem à idade cronológica pode gerar sobrecarga emocional, bloqueios afetivos e, em casos crônicos, quadros de ansiedade e dificuldade de individuação na fase adulta.
Sobre a razão pela qual esta prática tem diminuído nas últimas décadas, o neurocientista aponta transformações sociais, cognitivas e culturais.
As jovens estão mais conscientes dos seus direitos, dos papéis de gênero e da necessidade de equilíbrio emocional. A informação sobre saúde mental tornou-se acessível e o discurso sobre carga mental é cada vez mais dominante. Hoje, recusar uma função excessiva pode ser um sinal de tipo de inteligência social e autoconsciência.
Do ponto de vista genético, há também um dado relevante. Estudos recentes demonstram que meninas com QI mais elevado e maior maturidade executiva são mais predispostas a assumir papéis de cuidado de forma eficiente e precoce, mas desde que haja voluntariedade.
Isso está correlacionado à expressão de genes ligados à empatia, como o OXTR, e à sensibilidade social, que são mais ativos em algumas meninas com perfil neurobiológico mais desenvolvido.
A tradição de envolver as filhas mais velhas nos cuidados infantis não desapareceu por completo, mas está a ser redimensionada. Agora, esse papel passa por filtros mais conscientes, delimitando o que é formação e o que é sobrecarga.
Essa mudança representa uma evolução nas estruturas familiares e uma maior sofisticação no desenvolvimento feminino.
Por Fabiano de Abreu Agrela
pós-PhD em Neurociências, Mestre em Psicologia, membro da Sigma Xi, especialista em Genômica Comportamental e Inteligência
Artigo de opinião