Divórcios pós-pandemia e a espiritualidade afro-brasileira como caminho de cura e reconciliação

O aumento das separações no Brasil impulsiona a busca por terapias ancestrais que promovem a restauração afetiva e o equilíbrio emocional

O Brasil enfrenta uma nova onda silenciosa que emerge das cicatrizes da pandemia: o aumento contínuo dos divórcios e a consequente busca por caminhos alternativos de cura e reconexão emocional. Segundo dados divulgados pelo IBGE, em 2024 foram registrados 440.800 divórcios no país, representando um aumento de 4,9% em relação ao ano anterior. Esse é o terceiro recorde anual consecutivo, revelando que a crise apenas acelerou o colapso de vínculos que já estavam fragilizados.

Paralelamente, o número de casamentos caiu 3%, sinalizando não só uma crise nas uniões matrimoniais, mas também um questionamento mais profundo sobre os modelos afetivos tradicionais. Com o confinamento da pandemia, muitos casais foram forçados a conviver com questões mal resolvidas e o que antes era “varrido para debaixo do tapete” veio à tona; a solidão a dois, incompatibilidades e mágoas antigas se tornaram questões diárias.

“A pandemia funcionou como um espelho dentro das relações e intensificou o que já estava em crise e obrigou muitos a enfrentarem suas dores. Para alguns, isso levou ao fim da relação. Para outros, ao início de um processo de cura”, analisa Eduardo Elesu, sacerdote de Esù e dirigente do Ilê Odé Nlá Axé Alagbará.

Em meio a esse cenário, cresce a procura por caminhos espirituais para compreender e tratar questões afetivas. A espiritualidade afro-brasileira, com seus rituais, símbolos e saberes ancestrais, tem se consolidado como um poderoso recurso terapêutico. O fortalecimento da espiritualidade como forma de terapia de casal aponta também para uma transformação mais ampla no modo como lidamos com o afeto.

No Candomblé, a espiritualidade não está dissociada da vida cotidiana e relacionamentos; escolhas e crises são vistos também como expressões de um desequilíbrio espiritual. “Quando o amor adoece, muitas vezes o que está em jogo são forças mais profundas que escapam à razão. O oráculo e os Orixás nos ajudam a entender essas camadas ocultas”, explica o sacerdote.

Dentre os Orixás, Exu ocupa um lugar central na mediação dos conflitos e por isso é considerado o senhor dos caminhos e da comunicação. Exu é aquele que revela os bloqueios que impedem o fluxo entre as pessoas. “Quando um casal deixa de se ouvir, Exu mostra onde o diálogo foi interrompido. Ele abre os caminhos do entendimento”, explica Eduardo.

O jogo de búzios, principal oráculo da religião afro-brasileira, tem se tornado uma ferramenta importante para casais em crise. Por meio da leitura dos búzios, o sacerdote ajuda o casal a identificar os Orixás que regem a relação, os desafios espirituais envolvidos e os caminhos para o equilíbrio emocional. “O búzio não traz promessas, traz direção e mostra o que precisa ser curado dentro de cada um e entre os dois”, destaca Elesu.

A consulta ao jogo de búzios revela quais Orixás regem a relação, quais caminhos estão abertos ou bloqueados e quais forças precisam ser realinhadas para que o casal volte a se reconectar. Em muitos casos, o primeiro passo não é tentar reconquistar o outro, mas cuidar de si: o jogo pode indicar banhos de ervas, oferendas ou obrigações para fortalecer o axé individual.

Quando o oráculo aponta que ainda há possibilidade de reconciliação, o casal é orientado por rituais de harmonização espiritual. Exu costuma ser cultuado para restabelecer o diálogo e desfazer bloqueios entre os parceiros. Esse caminho não é uma promessa de retorno, mas uma jornada de reconexão consigo e com o outro, guiada pelos princípios ancestrais e espirituais da tradição afro-brasileira.

“Nem todo afastamento entre casais precisa ser definitivo. Muitas vezes, o amor ainda existe, mas está machucado ou perdido no meio de feridas antigas que precisam ser cuidadas. O jogo de búzios não aponta fórmulas prontas, mas ajuda a enxergar com mais clareza o que ainda pode ser reconstruído”, finaliza o sacerdote.

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Por Eduardo Elesu

sacerdote de Esù, dirigente do Ilê Odé Nlá Axé Alagbará, consultor espiritual, formador de opinião, iniciado em nome de Oxóssi, consagrado como Elesu, líder de seu próprio Ilê, reconhecido pela precisão nos Jogos de Búzios, rituais de Ebó, encantamentos e processos iniciáticos

Artigo de opinião

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