Violência política de gênero no Brasil: o duplo padrão que expõe desigualdades e desafios

O tratamento desigual dado a mulheres públicas revela como o sistema político brasileiro perpetua a violência e a deslegitimação de mulheres que ocupam espaços de poder.

Recentemente, duas mulheres ocuparam espaço de destaque no noticiário político brasileiro: Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Virgínia Fonseca, influenciadora digital com mais de 45 milhões de seguidores. Ambas estiveram sob os holofotes no Congresso Nacional, porém, o contraste no tratamento acende um alerta e revela algo bastante preocupante: a persistente violência política de gênero, que incide de maneira diferenciada sobre mulheres, dependendo de seu perfil, cargo e forma de atuação pública.

De um lado, Marina Silva, com uma trajetória de décadas na política e reconhecida internacionalmente por sua luta ambiental, foi mais uma vez alvo de ataques agressivos, irônicos e desrespeitosos por parte dos senadores durante sua participação, como convidada, na audiência da Comissão de Infraestrutura. Interrupções constantes, tom de voz elevado, insinuações sobre sua competência e distorções de suas falas foram algumas das estratégias usadas pelos parlamentares para desqualificar a ministra.

Do outro lado, Virgínia Fonseca, chamada a depor na CPI das Apostas Esportivas por conta de contratos publicitários com empresas do setor, foi recebida de forma cordial, quase condescendente. Senadores sorriram, elogiaram sua trajetória como empresária e até a parabenizaram pela calma diante das perguntas. Em nenhum momento sua inteligência ou capacidade de entendimento foram questionadas, e sua presença foi tratada quase como uma visita social, ainda que a intenção de sua oitiva fosse averiguar contratos publicitários com a “cláusula de desgraça” — ou seja, seu lucro estaria vinculado às perdas dos apostadores.

A contradição entre os dois episódios expõe um duplo padrão que não é novidade no Brasil, pois, quando uma mulher ocupa um cargo de poder, com firmeza de posicionamento e atuação política consistente, ela é frequentemente vista como uma ameaça a ser neutralizada. Já mulheres públicas que atuam em áreas consideradas mais “leves” ou “femininas” — como o entretenimento ou o marketing digital — acabam sendo tratadas com mais deferência, mesmo quando estão diante de questões sérias.

Essa diferenciação tem nome: violência política de gênero. Trata-se de um conjunto de práticas que incluem deslegitimação, ridicularização, ameaças, silenciamento e agressões verbais, com o objetivo de intimidar e afastar mulheres dos espaços de decisão.

Quando falamos em violência política de gênero, o caso de Marina Silva é apenas mais um capítulo de uma longa história. A ex-presidente Dilma Rousseff foi alvo de uma das campanhas mais violentas de deslegitimação política já vistas no país, pois, durante o processo de impeachment em 2016, foi constantemente retratada de forma caricata e ofensiva, com ataques misóginos que iam muito além da crítica política.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) também é vítima recorrente de violência política de gênero. Em um episódio emblemático, em 2014, foi publicamente ofendida pelo então deputado Jair Bolsonaro, que afirmou que ela “não merecia ser estuprada”. O caso gerou indignação nacional e internacional, mas reflete a naturalização desse tipo de agressão no ambiente político.

A vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018 no Rio de Janeiro, se tornou um símbolo da luta contra a violência política de gênero e contra o racismo estrutural. Mulher negra, de periferia, bissexual e com atuação firme em defesa dos direitos humanos, Marielle enfrentou sistematicamente campanhas de difamação e ameaças antes de ser brutalmente assassinada.

Mais recentemente, a deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) também foi vítima de assédio sexual dentro da Assembleia Legislativa de São Paulo, durante sessão parlamentar, um caso que ganhou grande repercussão e reforçou o debate sobre a vulnerabilidade das mulheres até mesmo dentro das instituições democráticas.

Esses exemplos mostram que a violência política de gênero não escolhe partido ou região, atinge mulheres de diferentes perfis ideológicos que ousam ocupar o espaço público e se fazerem ouvidas.

Conclui-se que o problema não está no perfil individual de Marina ou Virgínia ou das demais parlamentares que foram assediadas politicamente, mas, na forma como o sistema político trata mulheres que ousam exercer poder de maneira autônoma e pública. A construção de uma democracia verdadeiramente igualitária passa necessariamente pelo enfrentamento desse tipo de violência e pela garantia de que todas as mulheres, independentemente de seu perfil, ideologia ou vivências tenham direito ao respeito e a segurança no exercício de sua cidadania.

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Por Daiana Allessi Nicoletti Alves

advogada, mestra em Direitos Humanos e Políticas Públicas, professora do Centro Universitário Internacional Uninter

Artigo de opinião

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