Terapias Integrativas: Um Novo Caminho para a Saúde Mental Feminina
A combinação de ciência e espiritualidade oferece abordagens inovadoras para o tratamento de transtornos mentais em mulheres, promovendo autonomia e cuidado integral
A pandemia de COVID-19 intensificou os desafios relacionados à saúde mental, afetando significativamente as mulheres brasileiras. Segundo o relatório “Esgotadas”, elaborado pela ONG Think Olga em 2023, 45% das entrevistadas relataram diagnósticos de ansiedade, depressão ou outros transtornos mentais. A pesquisa, conduzida entre 12 e 26 de maio de 2023 com 1.078 mulheres de 18 a 65 anos em todo o país, destaca ainda que 86% das participantes consideram ter uma carga excessiva de responsabilidades.
Diante desse cenário, abordagens terapêuticas que unem ciência e espiritualidade têm ganhado espaço em consultórios e instituições de saúde mental. A psicóloga Maria Klien, com especialização em práticas integrativas, defende a necessidade de um modelo terapêutico que reconheça a complexidade do sofrimento humano.
“A escuta psíquica integral exige o reconhecimento de que corpo, mente e espírito não operam em esferas autônomas, mas em íntima interdependência. Dentro dessa perspectiva, o conceito de Self, tal como formulado na psicologia analítica, revela-se como representação simbólica de uma instância interior que ultrapassa as delimitações do ego. Essa totalidade psíquica, que integra os aspectos conscientes e inconscientes da existência, pode ser compreendida como um centro orientador, que conduz o sujeito ao encontro de sua própria inteireza. Em determinados momentos de recolhimento ou oração, é com essa instância que, silenciosamente, dialogamos — ainda que nem sempre tenhamos plena consciência disso”, afirma.
Em sua prática, a psicóloga utiliza protocolos que envolvem o uso da cannabis medicinal, a escuta qualificada e práticas de atenção plena. Para ela, os transtornos mentais não devem ser reduzidos a desequilíbrios bioquímicos, mas compreendidos como expressões de rupturas psíquicas que se dão em contextos sociais e existenciais específicos.
“A cannabis, por exemplo, é um recurso terapêutico com enorme potencial, mas seu uso não é automático nem desvinculado de acompanhamento profissional. A substância precisa ser inserida dentro de um processo que considere a história, os vínculos e o sofrimento simbólico daquela mulher. É nesse ponto que ciência e espiritualidade deixam de competir e passam a colaborar”, explica.
De acordo com Maria Klien, o sistema endocanabinoide, onde a substância atua, é apenas uma das muitas interfaces que precisam ser consideradas no cuidado com a saúde mental. Ela observa que a espiritualidade, quando trabalhada de forma ética e não dogmática, permite restaurar a autonomia e a capacidade de decisão de pessoas que muitas vezes se sentem fragmentadas por padrões externos.
“Não estamos falando de religiosidade, mas da possibilidade de reorganizar a própria narrativa de vida, reconhecendo que o adoecimento emocional também pode ser um convite à transformação profunda”, conclui.
A crescente busca por terapias integrativas reflete uma mudança de paradigma que valoriza a escuta do corpo, a historicidade do sofrimento e a pluralidade de caminhos terapêuticos. Em um contexto no qual a medicalização se tornou regra, o acolhimento de saberes diversos se apresenta como um gesto de reconstrução de sentido — e, muitas vezes, de liberdade.
Por Maria Klien
Psicóloga, especialista em práticas integrativas, atua com métodos tradicionais e práticas complementares, focada em distúrbios ligados ao medo e à ansiedade, utiliza protocolos com cannabis medicinal e atenção plena
Artigo de opinião