Assédio Sexual Virtual: Um Perigo Real e Invisível no Trabalho Remoto
Como parceiros e familiares podem identificar sinais de assédio e a importância de canais eficazes de denúncia nas empresas
O assédio sexual é um tópico normalmente sensível em qualquer organização, e não é para menos. Segundo a Justiça do Trabalho, o número de ações sobre o tema cresceu 35% de 2023 para 2024, com mais de 8 mil casos registrados. Os dados, entretanto, não separam entre as situações presenciais e virtuais, o que reflete a baixa visibilidade dos cenários de trabalho remoto. Muitas pessoas acreditam que não é possível assediar alguém sexualmente pela internet.
O assédio sexual não é apenas toque. É um erro acreditar que se trata exclusivamente de algo físico. Ele pode envolver uma série de ações e falas que acontecem, inclusive, na frente das telas. Muitas vezes, a denúncia vem de cônjuges ou parceiros das vítimas.
Em uma situação recente de aplicação do PIR (Potencial de Integridade Resiliente), teste que avalia riscos comportamentais por meio de dilemas éticos e análise científica, identificamos um líder que, mesmo com indicadores de que poderia vir a cometer assédio, foi contratado por uma empresa que não se preocupou com esse risco porque ele ficaria em uma posição remota. Contudo, meses depois, vieram as denúncias: ele constantemente pedia para as colaboradoras mostrarem a roupa durante calls, tirava prints, fazia comentários inapropriados e as constrangia. Foram os cônjuges das vítimas que perceberam algo de errado na situação. É comum que as denúncias sejam realizadas por testemunhas ou pessoas próximas da vítima. Neste caso, eles ouviram os pedidos inapropriados vindo das calls.
Essa realidade condiz com o baixo número de denúncias registradas. Um estudo do ano passado da Corregedoria do Ministério da Fazenda demonstrou que, dentre as pessoas que já foram assediadas, apenas 10% reportaram os casos. Dentre aqueles que não denunciaram, as razões mais citadas foram medo de retaliação (81%), falta de confiança na apuração (78%) e falta de clareza nos procedimentos para denúncia (63%).
É importante que profissionais saibam que não precisam de provas em mãos para relatar casos nos canais apropriados. O relato é um repasse de informações que aí, então, serão apuradas.
Para isso, é preciso que as empresas tenham esse canal apropriado. A organização deve não só disponibilizar um espaço acessível de denúncias como também garantir que elas sejam levadas a sério e investigadas. Também é ideal que os denunciadores possam acompanhar o andamento da solicitação, ainda que de forma anônima, através de um protocolo.
É fundamental que o canal de denúncias seja conhecido por todos e que as expectativas fiquem claras quanto ao seu uso. Vejo com muita frequência equipes que usam o espaço inadequadamente, com reclamações e situações que não cabem ali. Também não podemos vincular uma denúncia a uma demissão, por exemplo, porque caso a apuração não resulte no que o denunciador esperava, perde-se a credibilidade na ferramenta.
Tudo gira em torno da cultura organizacional. Não basta demitir, mas sim construir um ambiente seguro, com todo o time alinhado quanto aos tipos de comportamento que podem ou não ocorrer. O próprio canal de denúncias pode ser um termômetro da cultura, tanto de problemas reais que estejam ocorrendo quanto do tipo de percepção que as pessoas têm umas das outras, de seus líderes ou subordinados.
De uma forma ou de outra, informar a empresa sobre situações inadequadas é sempre o caminho recomendado. É comum que as vítimas não tenham certeza se realmente estão sendo assediadas, ou, como já vimos, tenham receio de denunciar. Mas relatar um ocorrido não é sinônimo de que um crime esteja acontecendo, é exatamente isso: um relato. Se cônjuges ou outras pessoas presenciarem, elas também podem comunicar a empresa. Então, a companhia fica com a obrigação de apurar e tomar as medidas cabíveis.
Por Alessandra Costa
Psicóloga, especialista em gestão de comportamento de risco, sócia da S2 Consultoria
Artigo de opinião