RDCs 430 e 653: Mais uma saída para reduzir o desperdício de medicamentos
Por Ricardo Canteras, especialista em cadeia fria e logística farmacêutica
Em menos de um ano, a Anvisa pretende reduzir o desperdício de medicamentos e vacinas, incluindo os de cadeia seca. É isso mesmo, as exigências da Agência atingiram um novo patamar, para além da cadeia do frio. O objetivo é reverter as estatísticas e, consequentemente, o prejuízo à população, pois dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam, por exemplo, que mais de 50% das vacinas produzidas no mundo chegam ao destino final deterioradas. Um dos principais motivos é a falha no controle de temperatura durante o transporte, armazenamento e uso dos produtos.
No caso das doses, é feito o descarte. Mas e quando o remédio chega até o consumidor após um processo de logística inadequado? Os efeitos no organismo podem ser diversos. Vão desde uma alergia até sudorese, irritação ou um tratamento sem o resultado esperado, que pode, inclusive, levar à morte, dependendo da gravidade da doença. Afinal o paciente estará sendo submetido a uma medicação tóxica ou sem eficácia.
Não é à toa que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária atualizou a RDC 430/2020, ampliando as exigências relacionadas ao controle e monitoramento de temperatura dos medicamentos, independentemente de serem termolábeis ou não. A mudança tem gerado polêmica, mas as regras são claras e deverão estar em prática até 16 de março de 2024. Para alguns, significa correr contra o tempo. Para a população é a expectativa de não ser surpreendido por um “placebo”.
A substituta da RDC 430 é a RDC 653, do ano passado, que segue os passos da resolução anterior, porém diminuindo as brechas e minimizando qualquer possibilidade de que os medicamentos cheguem às farmácias ou hospitais impróprios para serem ministrados.
É fundamental ressaltar que quando se trata do controle da temperatura dos medicamentos, ele pode ser feito de forma ativa, com a utilização de veículos refrigerados, e passiva, por meio de elementos, sendo o mais comum as embalagens isotérmicas. Essa era uma fase já vencida por grande parte das empresas. Foi então que surgiu a RDC 653, expandindo as regras.
A mudança consiste na implementação dos estudos de mapeamento de rotas (monitoramento de temperatura e umidade) e de análise de risco. Isso significa que as empresas responsáveis pelo transporte de medicamentos devem levar em consideração as características específicas de cada rota e produto, tais como dados climatológicos, tempo, distância, sazonalidade, modais de transportes e outras variáveis críticas como pontos principais para definição de soluções aplicáveis para o transporte.
O método mais comum de realizar tal monitoramento seria utilizar dataloggers, equipamentos eletrônicos munidos de sensores devidamente calibrados e certificados, para garantir que a medição é feita corretamente. E esse é exatamente o ponto de discórdia, pois a adoção destes dispositivos em 100% da distribuição de medicamentos é algo inviável financeiramente. Oneraria muito o valor de medicamentos de baixo custo, prejudicando o acesso à população.
Principalmente porque a nova resolução também estendeu aos medicamentos de cadeia seca, e muitas vezes com baixo valor unitário, a obrigatoriedade do controle e monitoramento, antes aplicáveis somente à cadeia fria. Isso dificultou encontrar uma solução, pois o uso do datalogger seria muito caro, assim como utilizar veículos refrigerados para toda essa cadeia seca. Hoje menos de 10% da frota de veículos de carga são refrigerados.
Diante desse cenário, o mercado teria que fazer um alto investimento para adquirir veículos e adaptá-los para suportarem essa solicitação. O resultado seria o aumento abusivo do preço dos medicamentos.
O mercado buscou, então, um plano B, que consiste em colocar sensores dentro das caixas para poder medir a temperatura interna e externa daquela embalagem em todos os seus canais (modais) de distribuição, gerando dados e comprovando à Anvisa que, apesar de ter excursões, o período em que aquela excursão ocorreu não gerou nenhum risco à eficácia do medicamento. O ideal é que o trabalho seja feito duas vezes por ano, no verão e no inverno.
As empresas tiveram até o último dia 16 de março para finalizar esse mapeamento térmico de rotas, que gerou um plano de ação, cujo prazo de implementação será encerrado em 16 de março de 2024. Caberá a todos os envolvidos implantarem as soluções aplicáveis, quando os estudos de mapeamento demonstrarem a necessidade de controle de temperatura e umidade para determinada rota.
É uma resolução importante, que vai garantir um medicamento mais seguro e eficaz aos pacientes, além de ter unido todos os elos da cadeia em busca de estratégias para evitar prejuízos ao sistema de saúde e à logística brasileira.