Notas sobre o envelhecer

por Sara Campagnaro

Sempre gostei de fazer aniversário, e coincidentemente este texto está sendo escrito exatamente nesta data tão especial para mim. Festas, encontros, presentes, surpresas e receber o carinho de tantas pessoas em uma data “só minha”, sempre fez este dia ser um dia feliz (mesmo caindo na segunda-feira). Conheço pessoas que não gostam de comemorar aniversário, outras que não comemoram por questões religiosas, e ainda outras que se sentem tristes, melancólicas e reflexivas quando percebem que envelheceram um ano mais.

Acho que por sempre ser lida como alguém mais nova do que realmente aparento, fazer aniversário e envelhecer nunca foi um problema. Ao contrário, principalmente quando adolescente amava o fato de estar ficando mais velha e de ter a chance de ser entendida como alguém mais madura, independente, e de ser respeitada como tal. Sei que ainda não aparento ter a idade que tenho, mas já estou chegando lá, porque as pessoas já começam a acertar mais próximo da idade real quando querem adivinhar quantos anos tenho. E isso ainda não é um problema.

Sei que envelhecer não necessariamente é algo bom, principalmente para as mulheres. A velhice não é um bom lugar para se estar quando a sociedade em que vivemos é machista, patriarcal e cobra das mulheres a beleza e a juventude como status social. Muitas autoras feministas tecem textos, livros e artigos sobre este tema, e a filósofa existencialista Simone de Beauvoir foi uma destas. Três de seus muitos livros, sendo eles: “Mal entendido em Moscou”, “A mulher desiludida” e “A velhice”, são exemplares que discorrem sobre o envelhecer e o ser-mulher.

A autora desconstrói o ideal romantizado de que envelhecer é sinônimo de sabedoria, de plenitude após uma vida de aprendizados. Ela aponta as dificuldades reais do envelhecimento, discorrendo sobre o desconforto que é perceber seu corpo já não ter mais as forças que tinha antes, perceber as mudanças físicas e as dificuldades de nos reconhecer neste corpo envelhecido. “O velho é sempre encarado como alguém que acumulou certa sabedoria e experiência, mas tratado com descaso e abandono.” (COSTA, 2021)
Não é difícil perceber no dia a dia o descaso com as pessoas idosas em nossa sociedade. Ainda supervalorizamos a vitalidade e a alegria como sinônimos de jovialidade, e cobramos isso das pessoas mais velhas. É claro que envelhecer hoje é diferente dos tempos de Beauvoir, e acho incrível ver as pessoas mais velhas já aposentadas, curtindo seus dias. Quantas pessoas aproveitam e saem para viajar, para se reunir com amigos, vão aos bailes da terceira idade? E isso é maravilhoso!

O que busco refletir aqui, de mesmo modo que Beauvoir, são as realidades do envelhecer, principalmente do quesito existencial e de gênero. Sentir em nossa corporeidade e em nossa psique as mudanças da velhice pode ser doloroso, principalmente porque não podemos escapar dela. Quando aprofundamos o olhar sobre o tema percebemos que não é fácil encarar a finitude que somos. Por ser mulher, o peso da idade marca nosso corpo e mostra para o mundo (e para nós mesmas) que já não somos a beleza que esperam de nós.

Quantas são as mulheres, até mesmo as jovens, que realizam procedimentos estéticos para fugir do envelhecer. Para o patriarcado “mulher velha não tem lugar na sociedade”, pois segundo esta lógica é apenas a mulher jovem (e bonita) que é capaz de reproduzir. Na velhice a mulher perde sua função, se torna descartável aos olhos do machismo estrutural. Por isso, a busca por se refugiar no ideal de beleza da juventude pode ser uma prisão para muitas de nós.

Refletir sobre o envelhecer, tirando de cena o olhar mágico e romantizado, faz com que possamos criar outras possibilidades de ser mulher. Acolher as dores das mudanças corporais e existenciais é essencial. Se ver como um ser de futuros possíveis para além do que esperam as amarras patriarcais, pode ser um caminho para que o envelhecer seja mais uma entre tantas etapas vivenciais. Espero que assim, tantas outras mulheres possam se alegrar e comemorar datas especiais como seus aniversários, sem a dor do pesar.

Referências:

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BEAUVOIR, Simone de. Mal-entendido em Moscou. Rio de Janeiro: Record, 2015.

BEAUVOIR, Simone de. A mulher desiludida. Tradução: Helena Silveira e Maryan A. Bon Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
COSTA, Solange Aparecida de Campos. Simone de Beauvoir: considerações sobre o envelhecimento e a finitude na obra Mal-entendido em Moscou. Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 2, pp. 1-14, 2021.

Sara Campagnaro é psicóloga, professora na Estácio Curitiba, Especialista em Psicologia Fenomenológico-Existencial e Mestra em Educação. Coordena o grupo de estudos “Psicologia & Feminismo”.

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