É possível uma perspectiva integral e compromissada socialmente quando se fala em valorização da vida e saúde mental?

por Henrique Costa Brojato

Já de início, pontuo minha visão sobre o tema: não só é possível, como imprescindível. Agora, resta aprofundar – ou, ao menos, explicitar – tal posicionamento. Parto do princípio de que, neste momento histórico em que vivemos, marcado por grandes crises multidimensionais, se revela o quanto estamos em um contexto volátil, incerto, complexo e ambíguo. Esses quatro adjetivos geraram, inclusive, uma sigla, proposta pelo Army War College, nos Estados Unidos da América, fruto do pós-guerra fria na década de 1980, do século passado, e que hoje é bastante utilizado em formações organizacionais, para justificar a importância de se estar aberto às mudanças que esse tal mundo VUCA propõe.

Claro que, ao observar tais colocações e justificativas acerca da necessidade de desenvolver em si mesmo aspectos que denotem certa flexibilidade cognitiva, com doses cavalares de “resiliência”, de pronto, aos olhos e ouvidos preparados para as entrelinhas, é possível captar algo que nos escapa por inteiro em alguns momentos: o quanto temos sofrido os impactos negativos de tais perspectivas não somente na macro economia, não somente na política, na cultura, nas instituições que frequentamos, mas, principalmente, em nossa forma de enxergar o mundo e de buscar fatores de proteção de nossa saúde.

Esse último aspecto não é alheio a todas as outras situações colocadas na frase. Contudo, é importante lembrarmos que, inevitavelmente, nosso mal-estar contemporâneo, diante de modos de vida pautados no consumismo e em tantas outras expressões do atual sistema econômico, nos trazem a impasses diante do possível autorreconhecimento. Ou seja, somos consumidos por tantas e tantas coisas nesse momento de crises sem precedentes, que vivenciamos, na pele, dores que possuem relação inevitável com o modo de existir contemporâneo.

Agora, o questionamento presente no título. Tendo em vista o acima posto, não é possível estabelecer políticas e práticas de valorização da vida e de promoção de saúde mental que desconsiderem as condições reais de vida da população. Além disso, não é viável estabelecer práticas que possibilitem o diálogo sobre esses temas tão importantes e complexos, sem, ao menos, considerar que vivemos em um país profundamente marcado pela desigualdade social.

Sendo assim, importa partir do princípio de que não bastam práticas somente pontuais no mês de setembro para que possamos incidir verdadeiramente em indicadores de saúde mental, voltados para práticas de prevenção ao suicídio, por exemplo. Um pouco além, importa olhar para as possibilidades em âmbitos micro e macropolíticos, que viabilizem formas de relação social que verdadeiramente incluam, superem preconceitos e estabeleçam pontes. Tais perspectivas só poderão ser alcançadas quando compreendermos que, para a promoção da saúde mental, serão necessárias diversas políticas, articuladas de maneira intersetorial, pois é preciso uma aldeia para criar uma criança, assim como, uma rede para promoção de práticas efetivas e compromissadas com as pessoas em situação de sofrimento psíquico.

Em suma: medite, corra, se alimente bem, e por aí vai. Siga e realize aquilo que te faz bem. Conte com alguém para desabafar, seja um bom amigo ou mesmo um profissional capacitado para te acolher em suas dificuldades. Contudo, lembre-se que a questão do sofrimento psíquico é estrutural, marca de uma sociedade extremamente desigual. Logo, consideremos nossa integralidade enquanto seres humanos, já que necessitamos, como integrantes dessa grande aldeia global, da garantia de direitos para que possamos, nesse contexto, exercermos nossa cidadania e vivermos políticas de bem-viver. Ah, não sem uma boa dose de utopia, claro.

Henrique Costa Brojato – Psicólogo, Mestre em Educação (PUCPR) e Professor da Estácio Curitiba

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