Relacionamentos 4.0
por Bia Willcox
Com o avanço da tecnologia, os relacionamentos mudaram. Através das redes sociais conseguimos nos conectar com qualquer pessoa ao redor do mundo. Com isso, podemos admirar e acompanhar postagens como fotos, vídeos e textos, daqueles que nos permitem e no melhor dos cenários, puxar assunto e ser correspondido no chat privado, criando um vínculo maior. Dessa forma, surgem os crushes. Você tem um?
O crush online existe desde a invenção das mídias sociais e aumentou muito durante os lockdowns e home offices, no início da pandemia. De acordo com o Dating.co, em março de 2020, houve um aumento de 82% no namoro online mundial.
Atualmente, homens e mulheres possuem ao menos um crush online e isso, nada mais é do que o já conhecido “amor platônico”, mas na versão 4.0. Essa paixonite remota é, na verdade, qualquer tipo de relação de afeto idealizada em que não há a devida realização de uma relação romântica e amorosa por diversos motivos. Ou seja, é uma relação não-sexual de cunho utópico e oposta ao amor romântico e carnal.
O amor platônico pode ser também um amor impossível, difícil ou que não é correspondido. Muitas vezes, uma pessoa tem um amor ou paixão platônica e nunca tentar sair desse tipo de relação por medo de se machucar ou perceber que suas fantasias e expectativas não correspondem à realidade. Na Internet, o sentimento se mantém platônico por desejo do indivíduo, quem cultiva o crush nem sempre quer saber de levá-lo para a vida real.
O conceito do amor platônico pode ser relacionado também com o mundo das ideias, criado por Platão. Tudo o que existe no mundo das ideias é perfeito e eterno, enquanto o que habita a realidade é uma cópia imperfeita desse mundo utópico exatamente porque é dotado de humanidade. Portanto, o “platonismo”, refere-se a algo que seja perfeito, eterno e imutável, mas que existe apenas em ideia. Pelo menos por um tempo, muitas vezes indeterminado e sem qualquer expectativa de se sair do estágio platônico.
Na Internet, essa paixão não difere, tendo em vista perfeita na imaginação de quem sente. Existem casos onde a pessoa cisma com outra no mundo virtual, fica apaixonada por fotos, vídeos e opiniões, mas no momento de passar para a vida fora das telas, pulam fora – ou por medo, por comodismo ou por quererem manter o crush no pedestal criado nas idealizações. Afinal, para que tornar o crush imperfeito devido à vida real?
É fácil se encantar nas mídias sociais onde todo mundo posa para fotos em seu melhor ângulo, usando filtros, gravando vídeos com o seu melhor lado (ninguém se mostra irritado, impaciente ou acordando descabelado, ou de mau-humor). O crush é sempre incrível e está sempre vendendo a imagem que a nossa carência quer comprar, não importa se é à vista ou parcelado.
Por tudo isso e um pouco mais, não são a maioria os que desejam sair do nível platônico de paixão desenvolvido na Internet, porque não querem transformar aquela relação virtual distante, mas linda e perfeita, em um relacionamento próximo e cheio de defeitos e limitações. Os crushes alegram a alma, mantém viva a privacidade de pensamento e de desejo de cada um e não são (não deveriam ser, pelo menos) considerados traição. Ao menos, no sentido clássico e tradicional da palavra.
Em alguns casos, o crush é comprometido, mas é apreciado em silêncio por uma questão de timing. Quem sabe a pessoa se separa e começa a prestar a atenção em você? Quem sabe o seu destino de alguma forma une os dois? O crush platônico nas redes é cada vez mais comum e às vezes, até migra para o mundo real de carne e osso, e dá certo! Mesmo descobrindo o mundo da convivência e dos defeitos, ele conduz ao amor realizado.
Sobre a autora
Bia Willcox é jornalista, educadora, empresária, palestrante e advogada.