Paz, furacões e desfiladeiros

Por Sara Campagnaro

Quantas vezes dizemos a nós mesmas que queremos paz? Que a vida seria muito melhor e mais fácil se só vivêssemos em um eterno estado de tranquilidade? Será que seria mesmo o melhor? Acredite ou não, se a paz reinasse em nosso cotidiano, a vida seria um tédio tão grande que certamente enlouqueceríamos. Talvez no início até seria mais fácil, mas duvido muito que seria o melhor a longo prazo.

 

No consultório muitas pacientes me contam seus desafios diários, os perrengues da vida, os percalços que precisam enfrentar durante a semana. Muitas trazem metáforas como a de se deparar com desfiladeiros, com montanhas enormes que precisam escalar para chegar ao outro lado, ou de momentos em que parece que um furacão passou e levou tudo o que tinham de melhor em suas vidas. Como psicoterapeuta existencial vou sempre tentar analisar em conjunto com cada pessoa o seu entendimento das situações. Como se sentiu? Qual o sentido que estas situações lhe trouxeram? O que fazer com os sentimentos dolorosos? E juntas vamos desvendando, desanuviando, encontrando as respostas. 

 

Cada passo que damos nos leva a algum lugar, seja tranquilo ou turbulento. Nossa vida é feita de escolhas e das pegadas que deixamos por onde passamos. Às vezes os caminhos serão complexos e realmente ficará a sensação de que estamos atravessando desfiladeiros. Mas segure firme, olhe ao redor, perceba as possiblidades que este local te possibilita, olhe onde pisa, vá apenas quando se sentir segura. Não pise em falso, cuidado para não cair ladeira abaixo. Ao final de todo desfiladeiro existe uma saída, às vezes um lugar muito mais bonito do que você imagina, e mais, você chegará lá com novas experiências, habilidades, mais segura de si. Por isso passar por eles é tão importante, pois aprendemos durante o percurso. 

 

Já os furacões chegam sem esperar e nos devastam. Se focarmos na busca por reconstruir nossa vida para que seja igual ao momento anterior desta passagem, temos muita chance de viver em sofrimento. Nada fica igual após a passagem de um furacão. Ele devasta, tira nosso sossego, pode até nos tirar de nós mesmas. Dói… e muito. A sensação ao olhar para trás é como se tirassem um pedaço de nós mesmas. Ao ser arrastadas pelo furacão, às vezes caímos em um lugar desconhecido. Quem somos depois desta destruição toda? Será que consigo me reconstruir? O que faço para que esta dor passe? E novamente aprendemos com os ventos fortes da vida. Se não há como voltar atrás e não existe forma de ter o que tínhamos antes, precisamos aprender a ressignificar. 

 

Dar novos sentidos aos processos dolorosos da vida é extremamente importante para que possamos seguir adiante. Deste modo, aprendemos a olhar nossas pegadas deixadas ao vento dando novos contornos a elas. Para além, focamos na estrada ainda lisa a nossa frente, nela deixaremos novas pegadas. Ressignificar significa olhar para o passado sem tanta tristeza, aprender com ele e transformar nossa vida futura a partir daquilo que vivemos (dores, traumas, medos, ansiedades). É dar novas cores às dores. Nunca esqueceremos as chagas da dor, estas ficam para sempre, mas podemos transformar o sentido que damos a elas em nossas vidas, e ir além. 

 

Assim, quando encontrarmos um pouco daquela paz tão sonhada, saberemos que é hora de descansar, desfrutar e se alegrar com a nossa caminhada. É importante passar pelos desfiladeiros e furacões para construir quem somos, para que a vida tenha suas emoções, seus desafios. E, para que com isso tenhamos o prazer de encontrar a paz nos pequenos momentos.

 

Sara Campagnaro é psicóloga, professora na Estácio Curitiba, Especialista em Psicologia Fenomenológico-Existencial e Mestra em Educação. Coordena o grupo de estudos “Psicologia & Feminismo”.

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