No Pará, estado com menor número de médicos por mil habitantes do Brasil, atuação da ONG Zoé faz a diferença na vida das pessoas
Em uma semana, equipe de 20 médicos montou o centro cirúrgico do Hospital Municipal de Belterra, que estava há 30 anos sem funcionar, e realizou 50 cirurgias de hérnia e 108 exames de endoscopia. Os preparativos para a próxima expedição já estão em andamento
Uma mudança importante aconteceu em prol da saúde dos moradores de Belterra, município localizado à beira do rio Tapajós, no Pará, de 28 de novembro a 5 de dezembro. Nesse período, foi inaugurado o centro cirúrgico no Hospital Municipal de Belterra (HMB), depois de 30 anos parado por não contar com a infraestrutura necessária. Além disso, foram realizadas 53 cirurgias de hérnia e 108 exames de endoscopia em pessoas da cidade e arredores. Os números referem-se à atuação da terceira expedição da Zoé, ONG paulistana que tem o propósito de levar saúde à população amazônica. A ação foi viabilizada por um time de 20 médicos e enfermeiros da Zoé e pela doação de equipamentos e insumos médicos por diversas empresas e pessoas físicas que se engajaram ao projeto.
O impacto dessa ação revela-se nas histórias contadas pelas pessoas beneficiadas. Entre elas, Divanilson Guimarães Campos, pescador, que estava há um ano sem trabalhar, prejudicando muito o orçamento da família, por causa das dores provocadas por uma hérnia. “Não estou conseguindo trabalhar direito e o que mais queria era ser operado dessa hérnia”, disse. Já Rosemiro Peres de Sousa, técnico de enfermagem, acompanhou a filha Keliane, estudante universitária, que estava há três anos na fila de espera do sistema público para uma endoscopia, sofrendo de dores recorrentes no abdômen. “Ainda bem que teve essa parceria da Secretaria Municipal de Saúde e essa ONG”, relatou o pai muito emocionado.
Ana Sara veio para fazer uma endoscopia. “Já faz algum tempo que sinto dor de estômago, mas como não tenho renda fixa, fica difícil pagar uma consulta particular”, contou. Fernanda Andrade foi operada de hérnia. “Apesar de ser uma cirurgia simples, é difícil conseguir pelo sistema público porque tem muita gente em Belterra precisando e a fila é grande no hospital de Santarém”, afirmou.
E são muitos os relatos como esses de pessoas que estão há um, dois ou três anos na fila de espera por uma cirurgia ou exame que, até então, só poderia ser realizado em Santarém, a 45 quilômetros de Belterra, o que implica em gastos com transporte e estadia de acompanhante que nem sempre o paciente e sua família, mesmo quando chega sua vez de ser atendido, têm condições de arcar. Agora, com o centro cirúrgico funcionando, procedimentos de médio e pequeno portes poderão ser realizados pelo médico plantonista do hospital local que tem especialização, Paulo Henrique Albuquerque de Oliveira.
Um futuro polo de atendimento a saúde
O médico cirurgião e colonoscopista Marcelo Averbach, um dos fundadores da Zoé, explicou que o centro cirúrgico faz parte de um projeto maior que tem a meta de transformar o Hospital Municipal de Belterra em um polo de atendimento à saúde na região, incluindo Aveiro e parte de Santarém. “Escolhemos começar nossa atuação pelo estado do Pará, que tem a menor quantidade de médicos por habitante do Brasil e em termos de distribuição desses profissionais está entre as cinco piores. Cidades menores do estado estão, muitas vezes, desprovidas de médicos”, disse.
Paralelamente à assistência a saúde, que é o braço mais importante da Zoé, a ONG também atua com os pilares educação – ao levar em suas expedições acadêmicos e médicos residentes, com objetivo de proporcionar uma experiência única de aprendizado – e ciência, com a compilação de dados de cada expedição com objetivo de favorecer a realização de estudos científicos. A terceira expedição contou com a presença de três alunos da graduação de medicina e dois médicos residentes. Além disso, foram ministradas quatro aulas a agentes de saúde de Santarém pelas médicas Beatriz Souza Dias e Beatriz Averbach.
A cada expedição, muito aprendizado
Fabio Atui, cirurgião do aparelho digestivo e um dos fundadores da Zoé, contou que quando decidiram que viriam fazer cirurgias de hérnia e exames de endoscopia, acreditava que o procedimento cirúrgico teria mais impacto na vida das pessoas do que o exame de endoscopia, mas aconteceu o contrário. “Minha ideia era de que a cirurgia de hérnia teria mais impacto na vida dessa população porque muitos são trabalhadores braçais e a hérnia impede que o paciente faça esforço físico. Mas o impacto da endoscopia foi maior porque diagnosticamos dois casos de câncer, com tumores em fase avançada, que poderiam ter um prognóstico melhor se os pacientes tivessem feito a endoscopia antes. E encontramos um câncer precoce com alta chance de cura”, afirmou.
Para o médico, fatos assim levam o time da Zoé a refletir ainda mais sobre como atuar de modo cada vez mais eficiente para fazer diferença na vida das pessoas da região foco do projeto, dentro do que os profissionais da Zoé podem oferecer. “É assim que trabalhamos, fazemos o reconhecimento das necessidades da população que vamos atender dentro do escopo de especialistas que formam a ONG e das parcerias, como a que já temos com a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) para utilização do barco hospital Abaré”, disse Atuí.
Todos podem ajudar a Zoé
Plinio Averbach, diretor-executivo e um dos fundadores da Zoé, reforça que para fazer parte do projeto não é preciso ser médico ou profissional da saúde. “Também precisamos de voluntários de outras especialidades que podem nos ajudar com conhecimento de logística, comunicação, recursos humanos e muitas outras áreas”, informou. Além disso, fundamental para dar continuidade e ampliar o projeto são as parcerias com empresas que podem contribuir com recursos financeiros ou com doação de passagens aéreas, hospedagem, transporte, insumos e equipamentos médicos utilizados em cada expedição.