“O Sapo com Medo D’Água” e o “jeitinho brasileiro”
A proposta desta coluna será reproduzir um conto folclórico brasileiro, “O Sapo com Medo D’Água”, para pensarmos no “jeitinho brasileiro”, ambos como identidades coletivas e com finalidades distintas.
Segue o conto:
Dois meninos pararam na beira da lagoa para descansar.
Então, viram um sapo dormindo e resolveram implicar com ele. Agarrando-o com as mãos, disseram:
– Olha que desengonçado! – disse um deles, apertando o bicho entre os dedos.
– É nojento! – completou o outro.
Os dois resolveram fazer maldade.
– Vamos jogar no formigueiro?
Ouvindo isso, o sapo ficou com medo por dentro. Por fora, abriu um sorriso indiferente.
– Que nada – respondeu o outro, percebendo que o sapo não estava ligando – Vamos picar ele.
O sapo, de olhos fechados, começou a assobiar com tranquilidade.
Os dois meninos viram que aquilo não assustava o sapo. Então, tiveram outra ideia. Disse um deles:
– Sobe na árvore e atira ele lá do alto.
E o outro:
– Pega um fósforo e acende uma fogueira.
Depois disse o primeiro:
– Vamos fazer churrasco de sapo!
O sapo espreguiçava-se, aparentando estar tranquilo. Um dos meninos teve outra ideia:
– Já sei! Vamos afogar o sapo na lagoa!
Quando escutou isto, o sapo deu um pulo desesperado e começou a gritar:
– Tudo menos isso!
Os meninos tinham chegado aonde queriam.
– Vai para água, sim senhor!
– Não sei nadar! – gritou o sapo.
– Então, vai morrer engasgado!
O sapo esperneava:
– Socorro!
– Vai sufocar de tanto engolir água!
– Não!
– Joga bem longe!
– Me acudam!
– Lá vai!
O menino jogou o sapo no fundo da lagoa.
O sapo – ploft – desapareceu nas águas.
Depois voltou risonho e mostrou a língua. Foi embora nadando, cantando e dançando n’água.
….
“Reza a lenda” que a expressão “sapo com medo d’água” ficou famosa ao referir-se a alguém esperto, que finge não ter medo daquilo que o apavora e recusa aquilo que mais gosta. A partir disso podemos pensar o seguinte: ser esperto como o sapo poderia ser o avesso ao que os brasileiros entendem como o jeitinho brasileiro?
O “nosso” jeitinho carrega a complexidade da nossa história e por isso transcende o objetivo e a percepção do sapo: a sobrevivência desde o reconhecimento de si. Em outras palavras, no “jeitinho” não nos apropriamos daquilo que pretendemos combater, não há combate porque não há adversários, mas o nosso interesse em obter vantagem frente a um inimigo imaginário que ameaçaria a minha identidade coletiva e não a minha sobrevivência.
Não nos atermos à diferença que há entre o interesse do sapo e aquilo que nos faz manter o “jeitinho brasileiro” talvez seja uma pista de o porquê continuamos a mercê da corrupção sem podermos ter consciência se ela vem de dentro ou de fora.
Juliana Portilho é Psicóloga, Psicanalista, Mestre e Doutora em Filosofia, Pós-doutoranda em Psicologia Clínica (IP-USP) e Professora da Estácio Curitiba.