Primavera Editorial lança “A Lua e o Girassol: um dia mães em luto, outro dia mães em luz”, livro com depoimentos
A mulher que perde o marido é viúva; a que perde os pais é órfã. A mulher que perde o filho é algo que não cabe em palavras. Essa experiência – a maior dor do mundo – não é passível de nomeação. Vivenciar o inominável é voltar à condição alheia de criança recém-nascida, incapaz de concretizar qualquer estímulo que não venha das próprias vísceras. O mundo de fora fica mudo; o de dentro, grita a cada toque. Como se sente a mulher diante da morte de um filho? Esse questionamento é, de certa forma, o start para o livro A Lua e o Girassol: um dia mães em luto, outro dia mães em luz”, da autoria de Marina Miranda Fiuza, a partir de depoimentos de sete mães cujos filhos, de diferentes idades, faleceram em circunstâncias diversas. Lançada pela Primavera Editorial, a obra conta com o prefácio do escritor português Valter Hugo Mãe.
Na apresentação, Valter Hugo Mãe afirma: “As mães e os pais dos mortos são muito sem sentido. Nem sempre sabemos onde têm a cabeça ou os pés porque tanto daquilo que os ordena é agora de outra natureza. Ficamos diante dessas pessoas pasmando, porque elas contêm uma ciência que nenhuma biblioteca vai conter, simplesmente porque não há como explicar o absurdo, ele é uma experiência indizível que os livros imitarão sem sucesso algum”.
Os depoimentos – de Carla Scheidt Lund, Claudia Petlik Fischer, Gabriela L. C. S. Oliveira, Maria Cecília C. Nigro Capuano, Mariana Azevedo Laurini Yoshida, Marília Rocha Furquim e Marlise de Andrade Corsato – foram concedidos a Marina Miranda Fiuza. “Este livro foi escrito a partir da narrativa de sete mulheres. Ao contrário da maioria das amizades que nasce de encontros ocasionais, da frequência de ambientes comuns, de paixões compartilhadas e interesses mútuos, o que as aproximou foi a experiência da morte dos seus filhos”, detalha Marina, acrescentando que, no livro, em muitos momentos, as sete vozes se confundem em evocações uníssonas; os nomes próprios se desfazem diante dos sentimentos comuns.
Segundo a autora, a amizade entre Carla, Cecília, Claudia, Gabriela, Mariana, Marília e Marlise foi firmada pelo laço doloroso do luto. “Entre elas, sentiam-se livres para falar sobre os seus filhos, mesmo quando o mundo ao redor parecia ter superado a morte deles; entre elas, puderam expor os desejos mais macabros, sem serem julgadas de insanidade; foi permitido que as intimidades viessem à tona sem o receio de magoar ninguém. Foi permitido chorar enquanto riam e rir enquanto choravam, sem obedecer à imposição social da alegria a todo o custo, nem da penitência do luto eterno. Houve espaço, ainda, para não dizer nada, quando o silêncio se fez necessário”, afirma, acrescentando que continuam, hoje, essa amizade. “Procuram-se, hoje, para se sentirem menos sozinhas. Imersas em uma sociedade em que a morte é tabu, são isoladas pelo estigma da mãe enlutada”. A sociedade oscila entre reprovar a “superação” do luto de um filho e a santificar uma mulher que resiste à morte do filho.
Os capítulos abordam a experiência cíclica de viver em luto e viver em luz, algo que se alterna nessa experiência que demanda “continuar vivendo”. As diferentes experiências de luto; Os rituais de despedida; As burocracias da morte; A sobrevivência imposta; As sequelas do luto; Meu filho vive em mim; Os objetos que ficam; Desfazendo o quarto; Encontrando a luz no fim do luto; Transformações necessárias; Como prejudicar o luto de uma mãe; e Preservando a memória são alguns dos títulos que abordam diferentes fases desse luto que se alterna.
Pertinência da obra
Segundo Lu Magalhães, fundadora e presidente da Primavera Editorial, em um momento no qual milhares de mães brasileiras vivem o luto, a obra tem o objetivo de falar abertamente sobre um tema delicado. “Este livro toca em um assunto que poucas pessoas querem abordar. Esse luto é dilacerante, e os seres humanos que o vivem precisam de apoio não apenas familiar, mas de toda a sociedade. A experiência de lidar com a morte de quem amamos, em tempos de pandemia, passou a ser presente no cotidiano do mundo. E, diante dessa realidade que afeta muitos, temos que lidar com a temática com delicadeza; tirar o tema do campo do tabu para dar voz a essas mulheres”, afirma.
Larissa Caldin, publisher da Primavera Editorial, conta que “ao escolher esse título para nosso catálogo, fomos apontadas por alguns como ‘corajosas’ por abordar um tema delicado. Não vejo como coragem, mas como necessidade e respeito. Parafraseando Mia Couto ‘Não morre quem se ausenta, morre quem é esquecido’”.
Marina Miranda Fiuza, a autora, conta que conheceu as mães – que se reuniram em um grupo no Facebook de mães enlutadas – em 8 de março de 2018. “Sempre atenta às mensagens do mundo, sabia que o dia não era mera obra do acaso. De fato, não demorou muito para que eu me desse conta de que o projeto do livro seria, também, uma descoberta da força e sabedoria femininas. Nos depoimentos e na vida, é como se cada uma se dividisse em duas versões de si mesma. A versão que avançou na jornada estende a mão para aquela que permanece passos atrás e lhe diz: vai ficar tudo bem. Se uma contempla a luz, a outra sempre relembra a escuridão. Nessa gangorra, a vida prossegue, não menos difícil, não menos bela. Sempre lua, sempre girassol”, finaliza.
TRECHOS DA OBRA
Página 24 | Carla
“[…] Quando a equipe de primeiros socorros finalmente chegou e assumiu os procedimentos, Carla se distanciou. Do canto da sala observava o filho, no auge dos seus dezoito anos de idade, assumir um aspecto qualquer diferente do que ela conhecia. Nicholas era cada vez menos Nicholas, ali, deitado no corredor da sala.”
Página 26 | Claudia
“[…] A vida de Anna Laura se extinguiu assim, como uma bolha de sabão que estoura diante dos olhos e é preciso piscar algumas vezes para entender se ela ainda está ali ou não, para captar se é seu brilho ou a memória do instante anterior que persiste na retina.”
Página 30 | Gabriela
“[…] A morte, visita tanto inconveniente como insistente, havia sido rechaçada em todas as tentativas de aproximação anteriores por aquela mão vigilante. Finalmente, a morte era admitida. Entrou no quarto do hospital e sentou-se diante do leito de Sofia.”
Página 33 | Cecília
“[…] Durante os onze meses da vida de Júnior, Cecília viveu a concretização absoluta do amor que já não cabia dentro de si, até o desfecho doloroso de sua morte. De olhos bem abertos.”
Página 35 | Mariana
“[…] Se Caio, nos seus três anos de vida, havia ensinado outras linguagens que não a fala verbal para a comunicação, agora deixava o desafio de ser visto não pelos olhos, mas pelo coração.”
Página 37 | Marília
“[…] Não eram só os braços que estavam vazios, toda a existência era desfigurada por um enorme vazio. Marília estava oca.”
Página 39 | Marlise
“[…] O corpo do filho diante dos seus olhos era uma realidade tão absurda que mais parecia cena de ficção. Sob o peso da morte, desprendeu um esforço descomunal para se colocar de pé novamente e tomar as decisões necessárias para conseguir, enfim, acompanhar o filho até seu destino. Caio de volta para o mar.”
Preço sugerido: R$ 44,90
E-book: 29,90