O caminho das infecções hospitalares pode começar na boca
A missão do Dia Nacional do Controle das Infecções Hospitalares (15/5) passa pelas mãos de pouco mais de 600 cirurgiões-dentistas que atuam em hospitais no estado de São Paulo. Esses profissionais lidam diariamente contra doenças que podem se originar na boca e agravar o quadro dos pacientes em leitos hospitalares, seja em enfermarias ou nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Em meio à pandemia da Covid-19, o desafio do cirurgião-dentista é ainda maior entre os trabalhadores da Saúde por atuarem diretamente na cavidade oral dos pacientes infectados.
Enquanto antes do novo coronavírus, a atuação dos profissionais de Saúde Bucal chegou a reduzir em até 56% as infecções respiratórias nas UTIs, segundo dados de 2018 da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), hoje, o cuidado odontológico se faz ainda mais necessário. “A pandemia trouxe vários desafios aos profissionais de Saúde e, muito mais, ao cirurgião-dentista pelo contato direto que temos com a boca e a via respiratória. Sabemos da relação entre o aumento do tempo de internação e a piora da saúde bucal em qualquer paciente hospitalizado. O que nos chama atenção nos infectados pelo Sars-CoV-2 é o aumento do tempo de permanência em UTI e da necessidade da intubação orotraqueal com ventilação mecânica, o que ocasiona lesões orais traumáticas, por conta da presença dos mantenedores de vida, assim como infecções oportunistas orais e lesões orais inespecíficas. Ou seja, o paciente permanece mais tempo em UTI, intubado por longos períodos, muitas vezes pronado (quando colocado de bruços para melhor ventilação pulmonar), e com muitas demandas odontológicas”, explica Juliana Bertoldi Franco, cirurgiã-dentista que integra as câmaras técnicas de Odontologia Hospitalar e de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP).
Riscos evitados pelo cirurgião-dentista hospitalar
Pneumonia associada à ventilação (PAV) – nos casos de intubação, sangramentos, ressecamento dos lábios e da mucosa oral, quadros de babação, traumas orais por mordedura e candidíase oral são algumas das condições que podem ser diagnosticadas e tratadas pela Odontologia Hospitalar. Mas o cenário, assim como nos demais departamentos de Saúde diante da crise sanitária, não é favorável. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) somam quase 24 mil leitos de UTIs em todo o estado de São Paulo, uma proporção de cerca de 40 leitos para cada cirurgião-dentista habilitado em Odontologia Hospitalar.
Juliana também é cirurgiã-dentista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, atua no Hospital Auxiliar de Suzano e no Instituto Central, além de coordenadora Clínica da Assistência Odontológica em UTI, e tem visto de perto os esforços para atender todos esses pacientes. “Dentro do hospital, o cirurgião-dentista atua em equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, assistentes sociais e farmacêuticos. O entendimento das ações de cada um é primordial para os melhores resultados conjuntos e, quando temos profissionais da Odontologia realizando ou treinando o time de especialidades sobre procedimentos orais à beira leito, temos inúmeros benefícios ao paciente, em qualquer cenário, durante a internação”, afirma.
O caminho da infecção
“A cavidade oral é o começo de dois importantes sistemas do corpo humano: o respiratório e o digestivo. Nosso objetivo é o diagnóstico de infecções odontogênicas, ou seja, de origem dentária ou periodontal, e a remoção através dos procedimentos odontológicos, auxiliando na melhora clínica do quadro geral do paciente, na reabilitação e na prevenção de outras infecções”, conta Juliana. Ou seja, por mais que a infecção esteja localizada em um dente ou no tecido periodontal, como é chamada toda a parte que dá suporte aos dentes, ela pode ser disseminada pelo sangue e modificar todo o curso do tratamento médico ou até agravar as condições do paciente. Isso quer dizer que mesmo a boca sendo a entrada para os sistemas respiratório e digestivo ela também pode oferecer condições para a piora de outras patologias devido à produção e liberação de toxinas bacterianas e mediadores inflamatórios.
Até 2019, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a taxa de infecção hospitalar atingiu 14% das internações no Brasil. O número pode mudar consideravelmente com os registros da pandemia. Por isso, a presença dos profissionais da Odontologia Hospitalar é tão fundamental, atuando na prevenção das infecções hospitalares e no tratamento dos agravos decorrentes da longa hospitalização. Ainda que sejam poucos, eles trabalham todos os dias para salvar vidas e, consequentemente, resgatar verdadeiros motivos para sorrir.