Louca? Sempre a outra
Há luzes na maternidade, mas também muita escuridão.
Para ler ouvindo: “Sorrir e Cantar Como Bahia” – Os Novos Baianos
Na pluralidade materna somos muitas cores em uma. Ao final desta coluna, saiba mais sobre a campanha Maio Furta-cor.
Era o puerpério de uma mãe de primeiríssima viagem. Tudo se encaixava vagarosamente no lugar enquanto a produção do leite tentava se adequar à demanda. Pega correta, privação de sono, cuidado e atenção constante ao recém-nascido. Na época, sem pandemia, as visitas eram frequentes – um verdadeiro entra e sai danado. Todos muito interessados no bebê e com olhos bem abertos ao “estado” da mãe. Qualquer pequeno deslize não sairia impune, afinal de contas, todos pareciam saber muito sobre maternidade. Menos você. Havia um certo clima no ar que me fazia crer que as dúvidas, angústias e medos se tratavam de algum tipo de capricho exclusivamente meu. Trocava olhares com meu marido em busca de apoio e encontrava. A bem da verdade, era difícil competir com uma criaturinha tão absurdamente fofa e sagrada como aquela que eu havia acabado de parir.
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Numa das tocadas da campainha, abro a porta e ouço de sopetão: “você ainda está de pijama?”. Dada a idade da interlocutora, naquele momento relevei. Respirei fundo, sorri e tentei balbuciar algo. Eu só estava vestida confortavelmente e, para ser honesta, pouco (ou nada) interessada na minha aparência. Só que não, eu não estava de pijama. Mas, e se estivesse? O fato é que me senti absolutamente constrangida. Como assim você amamentou (no mínimo) três vezes ao longo da madrugada, acordou cedo e foi cuidar do filho, da casa e de outras demandas que surgem e não teve tempo para fazer uma bela escova, aquela make básica e escolher o melhor look do dia? Começamos mal, hein, garota. Reza a lenda que em outros tempos bastava o visitante tossir estando há duas quadras da casa e a mesa estaria impecavelmente posta com café e quitutes fresquinhos – o que não duvido, tamanha a pressão que nós, mulheres, sofremos há gerações. Fazendo justiça à minha minúscula rede de apoio, resumida ao companheiro e pai da criança e minha mãe (que trabalhava fora), todo mundo sempre foi muito bem-vindo e recebido, que fique registrado.
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Puxa, ele quer mamar logo agora que estou aqui? Adotei o hábito de, nos primeiros meses, dar de mamar no quarto, sem tanta luz e barulhos. Sentia-me muito bem assim, como se naquele momento fôssemos só nós dois outra vez. Sem falar no tabu chamado amamentação em público (estamos caminhando, a passos de tartaruga, mas estamos). Lembrando que não era bem em público, pois estava na minha própria casa, mas sabem como é. Como era marinheira inexperiente, preferia evitar qualquer tipo de atrito ou desconforto aos desavisados – aliás, um dia volto para falar sobre amamentação prolongada, pois por aqui fomos naturalmente até os 2 anos e 10 meses com desmame gentil – tava quase sendo queimada em praça, aí sim, pública. No high society, porém, cometia uma agressão ao costume de fazer sala haja o que houver. Confesso que nem todo choro era de fome, no entanto, estabelecemos uma parceria importante naquela fase (por volta do fim do primeiro trimestre): escapadas certeiras que faziam ambos espairecer dos apertos – fossem eles os literais, dos colos revezados, ou àqueles proferidos à mamãe. Cenas normalmente seguidas de questionamentos como “já está na hora desse mocinho comer uma sopinha, não?” ou “teu leite deve ser fraco, ele está muito magrinho” e o ganhador do Oscar: “meu primogênito bateu um pratão de feijoada aos seis meses e sobreviveu”. Nem tentava argumentar diante de tanta motivação e reconhecimento e, felizmente, a cada ida à pediatra ouvíamos que tudo ia de vento em popa.
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A licença-maternidade de apenas quatro meses estava prestes a acabar e, obviamente, eu precisava voltar a trabalhar. Precisava ~mesmo~ era no sentido financeiro. Essa perspectiva mudou um pouco com o passar dos anos e falarei mais sobre a seguir. Por ora, vamos nos concentrar no ponto de partida dessa intrépida jornada: meu emprego estava garantido, bastava eu matricular o bebê numa creche e ir. Não tive coragem. Se eu podia? Eu pude. Na base das escolhas e renúncias, mas pude. Baixar o padrão, que já não era dos mais altos, não é bem o que eu chamaria férias no aconchego do lar. Definitivamente, quem vê close no instagram, não vê corre. Como trabalhar 8h praticamente ininterruptas sem ter um familiar cuidando da cria não era uma opção viável, da mesma forma que fui hesitante quanto a ideia de outra pessoa moldar aquele ser tão desejado ao longo de toda uma vida, enfim adentramos o universo da maternidade em tempo integral. Não sem os freelas, que logo surgiram.
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Eu já falei sobre isso aqui, então quem me acompanha sabe que na minha reestreia em reuniões profissionais meus seios se encheram de leite e vazaram em cascata. Por sorte, estava frio e a jaqueta que eu usava escondeu a odisseia. Contudo, não evitou a frustração e a síndrome de impostora batendo na minha cara. Tínhamos combinado previamente que o encontro, para definir detalhes pontuais do meu trabalho, duraria no máximo 2h. Levou o dobro, visto que um gerente resolveu participar e propor novos assuntos mais abrangentes e sem qualquer relação comigo. “Que fofo o bebê na sua tela de descanso do celular, é seu filho?”. Sim, querido, e ele deve estar querendo mamar ou você não percebeu que o leite materno que escorreu por todo o meu abdômen está agora aqui congelado e me fazendo perder toda a concentração?! Claro que só pensei, mas devia ter falado. Pena que nos falta presença de espírito nas horas mais cruciais e elaboramos respostas magistrais só depois de passado o perrengue (nada chique, neste caso). Eu precisava da grana, não tinha outro jeito.
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O mercado de trabalho é extremamente cruel com as mães. Falo sem medo, pois senti e ainda sinto na pele. Nos vemos diante de longas jornadas que nos obrigam a terceirizar quase tudo em relação à primeira infância, emergindo litros de culpa sem fim. Do outro lado, mulheres abrindo mão de excelentes carreiras em prol da maternagem e sendo subjugadas por isso. Escolher as duas coisas? Sim, era o que queríamos: esbarramos em leis trabalhistas e mentalidades retrógradas que nos impedem. Muros e mais muros que nos deixam à margem, simplesmente destinadas ao que previamente foi concebido socialmente para nós. Diante do cenário, achei que estaria encontrando um caminho do meio atuando como freelancer. Parecia perfeito, trabalhar de casa e conciliar tudo. Oi? A esta altura do campeonato, parece que todos já compreendemos como é difícil fazer home office tendo filho pequeno, casa, marido, cachorra e precisando dormir ou até se exercitar (quanta ousadia). Falo em voltar a estudar e sinto as placas tectônicas moverem sob meus pés. Brinco, com um riso nervoso, que é insalubre. Lembram das escolhas e renúncias? Pois bem, aqui reside a maior equação em que a conta não fecha: sem privilégios para contratar uma diarista ou até uma babá, resta apenas encarar o que vier ou abrir mão. Passar a conviver com a exaustão e até normalizá-la. Super-mãe que fala. Super-mulher, como se fosse elogio. Tudo bem que ter tudo era muita pretensão… mas o desejo de voltar a atuar profissionalmente, por exemplo, só não é maior que o amor que sinto pelo Pedro e pela Marina (sim, estou grávida, teremos uma menina agora). Pena que o currículo com filhos costuma ser usado de rascunho nas muitas recepções das empresas que receberam o meu. Independentemente do seu caminho, é quase certo que alguém estará te julgando como insuficiente, má ou louca por aí.
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Achou pouco? Chamaria de vitimização? Acredita que atualmente é tudo mimimi? Estamos acostumadas com isso. Deslegitimação das nossas necessidades e anseios é praticamente um código já moralmente aceito. Costumo ilustrar pensando no seguinte: quando idealizam mães, uma súbita ideia de perfeição surge irradiada por luzes sublimes. Os holofotes se voltam para nós não sem um enorme paradoxo: para cada acerto elogiado, são dez críticas com o dedo em riste. O pai, por sua vez, por mais parceiro e bem intencionado que seja, é poupado – isso quando está junto ou envolvido de alguma forma. Nada incomum ouvir por aí que se ele quer ajudar a cuidar do bebê ou dos afazeres domésticos podemos deixar que faça isso – nesse tom, parece até que proibimos, né, mas OK. Melhor ainda, além de dar o aval para que façam a parte deles (prefiro assim, se me permitem) é interessante que deixemos que seja do jeitinho deles, mesmo que errado ou com alguma dificuldade. Fala sério! Você aí igual uma malabarista tendo que ser maleável com outro adulto para que a rotina familiar escolhida por ambos funcione. Parece justo? Aí ele erra, faz de qualquer jeito ou pela metade e você vai lá consertar, arrumar de novo, dar uma conferida de leve. Pensei que faria isso somente na fase adolescente da prole.
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Não por acaso, estamos adoecendo. Por isso, a saúde mental materna requer atenção e cuidado. Ansiedade e depressão perinatal são condições prevalentes e um pedido de socorro. Num mundo pré-pandêmico, a incidência de depressão pós-parto já acendia sinal de alerta no Brasil e no mundo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), antes do coronavírus chegar, a doença atingia cerca de 19,8% das mulheres em países de baixa renda, número esse que saltava para 26% em se tratando do nosso país. Ou seja, estimava-se que 1 a cada 4 mulheres adoecesse mentalmente entre 6 e 18 meses do bebê. Com a chegada da Covid-19 e seus desdobramentos, esses sinais não criaram apenas um alerta, mas se transformaram em ato, causa e grito. O contexto pandêmico – escolas fechadas, isolamento social, reduções salariais, pouca ou nenhuma rede de apoio, conflitos conjugais, violência doméstica – têm gerado exaustão, solidão, invisibilidade, desqualificação e culpa que vêm se expressando diariamente no interior de muitos lares sob a forma de quadros graves de transtornos mentais e, infelizmente, suicídio.
Por tudo isso, a campanha MAIO FURTA-COR surge para olhar com carinho e generosidade a quem tanto cuida e merece ser igualmente cuidada. Aproveitando que maio é o mês das mães, a iniciativa – completamente apartidária e colaborativa – visa transformar essa avalanche de dor em uma verdadeira onda de cuidado, de afeto e de legitimação do verdadeiro sentido do maternar. Idealizada por Nicole Cristiano e Patricia Piper, psicóloga e psiquiatra, respectivamente, a causa principal é promover saúde mental como alicerce de uma mudança paradigmática para uma geração menos adoecida. “Enquanto não houver mudanças na forma como compreendemos a saúde mental materna e suas vicissitudes e não nos implicarmos ética e politicamente na construção de novos modelos de atenção e assistência, teremos mães, bebês, famílias e uma sociedade profundamente adoecidos”, afirmam.
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Há urgência de expandirmos o alcance da nossa voz e você pode contribuir com a causa! A saúde mental materna importa e é a via privilegiada para um mundo melhor. Vista esta camisa, apoie esta causa, transforme a cultura e o olhar sobre a mulher e a maternidade.
E aí, vem com a gente fazer parte desta revolução?
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@maiofurtacor
Até a próxima, de mãos dadas!