Superar não é esquecer
Mark Nepo é um conselheiro espiritual norte-americano que escreveu a seguinte frase no prefácio de um livro: “Ao viver nossa única vida estamos aqui para amar e perder”. Quanto mais refletirmos sobre essa afirmação, mais compreenderemos a profunda verdade contida nela. Você ama seu emprego? Um dia você vai perder. Ama seu marido/esposa? Um dia vai perdê-lo(a). Ama seu filho(a)? Um dia vai perdê-lo(a). Isso porque, eventualmente, você se aposentará do trabalho, seu cônjuge partirá ou ainda você partirá antes, seu filho casará, e assim por diante.
Segundo Ronny Kurashiki, psicólogo do Valencis Curitiba Hospice, “Somos seres que se conectam com objetos e pessoas e por isso sofremos com as perdas. Passarmos a vida toda tentando não sofrer pelas perdas, o preço a ser pago é nunca amar verdadeiramente. Essas reações são o que chamamos luto, processo natural que as pessoas passam após perderem algo ou alguém a quem se ama. São reações emocionais a essa perda, é nossa mente e coração tentando reagir a essa nova realidade em que a pessoa amada não está mais presente. Para alguns, superar o luto seria como que retomar a sua vida, retornar à normalidade, mas a questão que se coloca é: como? Se a ‘normalidade’ era aquela em que a pessoa que faleceu, ainda estava presente? Talvez esse mundo, ‘normal’ como fora conhecido, nunca mais volte a se tornar o mesmo”.
Ao tentar clarear o tema e buscar uma reflexão, o psicólogo faz uma provocação: “Gostaria de comparar essa situação a um quebra-cabeça. Este jogo vem originalmente com todas as suas peças, porém, vamos imaginar que durante o processo de montar o brinquedo percamos uma das peças. Pronto, o jogo não terminará, a peça que falta não permitirá que a imagem fique completa, que volte à sua ‘normalidade’. Nessa lógica, mesmo se tentarmos comprar outro jogo para de lá transplantar uma das partes a fim de completar o nosso, ainda assim não será suficiente. Ou o encaixe não dará certo, ou a tonalidade da cor será diferente, e mesmo que tudo isso desse certo, ainda assim, ao olharmos para aquele espaço, saberemos que aquela peça não pertence àquele lugar.”
É assim quando perdemos alguém que amamos, muitas pessoas tentam lidar com a dor pela tentativa de substituição. Se enterram no trabalho até altas horas, procuram novas atividades, mergulham nos filmes e jogos virtuais, isso para que suas mentes não se deem conta do que a realidade está lhes impondo: a pessoa que você ama não está mais aqui. O lugar ocupado no mundo e em nossos sentimentos nunca poderá ser substituído. O que nos resta é então reconstruir a nossa vida a partir de tudo que fica e, apesar de quem se foi, reconhecer a perda e seguir adiante a partir dela.
E muitos de nós se sentem estranhos ao lidar com esse tipo de sofrimento. A primeira reação de alguém que está ao lado de uma pessoa enlutada muitas vezes é pensar “não sei o que dizer, mas eu queria poder fazê-lo(a) parar de ficar triste”. No entanto, ao contrário da lógica de cura das outras dores da vida, em que se toma um remédio para a dor sumir; para se tratar do luto, deve-se senti-la, somente assim poderemos entrar em contato com a real falta que a pessoa nos faz.
Claro que nos angustia ver alguém chorando pela perda de um ente querido, queremos fazer cessar a dor o mais rápido possível e assim, ao avistar lágrimas enlutadas começam a surgir lenços para secá-las, copos com água para fazer calar o choro, o abraço sufocante que não permite respirar, o ‘calmante’ diluído disfarçadamente na água para fazer os ânimos se tranquilizarem. Então o choro para, e nos satisfazemos porque “resolvemos” o luto da pessoa. Seria ótimo, entretanto o luto não é um problema a ser resolvido, mas uma experiência para ser cuidada (vivida).
Essas ações têm boas intenções, mas sua função real é tamponar (encobrir ou disfarçar) o sofrimento, e o enlutado, muitas vezes entorpecido, torna-se incapaz de reagir diante da perda, de atribuir significados ao ocorrido. Isso pode ter efeitos devastadores no processo de luto que se seguirá.
A melhor chance para um luto saudável é que a pessoa enlutada faça aquilo que quiser fazer e que a ajude a se sentir melhor: chorar, rir, conversar ou mesmo evitar as interações por um tempo. É o tempo dela que deve ser respeitado. “Afinal, qual o limite do que é saudável? Deixo para que cada um que passou por esse tipo de experiência possa responder, pois nenhuma resposta pronta ou generalista será capaz de abarcar todos os tipos de relações e conexões humanas”, diz o psicólogo.