FIM DE ANO: Hora de ressignificar

Para ler ouvindo: Heal The World – Michael Jackson

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Estou há horas pensando em como escrever a coluna desta semana tendo em mente o tema “fim de ano” sem causar uma impressão equivocada. Haja vista que estamos todos à flor da pele e um depoimento, mesmo com o sentimento mais genuíno, possa parecer uma teoria egoísta e fugaz.

Definitivamente, o meu mundo, ou o seu que me lê, não é o mundo todo. Assim, toda e qualquer análise – por mais bem intencionada –  requer desprendimento para se unir verdadeiramente à empatia. Estamos exaustos, com saudades, ansiosos e preocupados. Mesmo assim, eu gostaria de fazer um apelo à voz da razão que habita em cada um de nós.

 Antes, vamos rabiscar um pouco do que nos trouxe até aqui. Em linhas gerais, se pra mim 2020 foi o ano do desemprego, do uso total da pouca reserva financeira e do acúmulo de dívidas (isso sem falar no isolamento social que a essa altura já assimilei) ainda assim é esmagadoramente melhor do que ter perdido um ente querido – entre os mais de 180 mil entes queridos (só no Brasil). Ou o teto sobre nossas cabeças.

No ápice da pandemia, uma reportagem sobre desapropriação em São Paulo jamais sairá da minha memória. Em meio aos destroços das casas que o maquinário da prefeitura acabara de passar por cima, uma menina de aproximadamente uns 12 anos procurava junto com o irmão algum pertence da família (composta por eles, seus pais e um bebê a caminho) que por ventura tivesse sobrevivido à catástrofe.

 Decidida, ela acaba encontrando um de seus cadernos. Abraçada ao material escolar –  novo por causa das aulas on-line que não teve por falta de estrutura e internet – diz sorridente para a repórter: “olha, ele está perfeito, pelo menos o encontrei”. Se não soar como um grito de esperança da futura geração que quer e merece encontrar na educação um futuro melhor para si e para os seus, não sei mais o que poderá nos salvar.

Falando nisso, no começo deste mês, boa parte da população da nossa cidade também assistiu incrédula a um despejo que não fazia parte da programação oficial do #NatalEmCuritiba. Não só lamento e choro, como me sinto na obrigação de estar em constante vigilância na defesa da justiça social, do ensino público de qualidade e do acesso universal aos serviços de saúde. Nas próximas eleições, podíamos combinar votos à la BBB e optar pelos candidatos que priorizam isso, o que acham?

Neste ano difícil, foi justamente nesse ponto da minha timeline que comecei a ressignificar certos valores. Se estava de saco cheio da quarentena, a preocupação com o contágio e a transmissão do coronavírus se sobressai; diante da irritação dos telefonemas das empresas de telemarketing, não ter faltado comida na mesa um único dia sequer é mais do que motivo para agradecer; claro que não foi fácil montar uma minissala de aula em casa e acompanhar o filho nos estudos, mas como eu poderia não fazer isso se tive tempo e condições para tanto? E não, não fui eu que o ensinei, como já disse aqui diversas vezes (e repetirei quantas mais forem necessárias), atuei apenas como mãe presente, dedicada e quem sabe uma espécie de tutora.

A professora, magnânima, esteve do outro lado da tela nos oferecendo muito mais que conteúdos didáticos, como perspectivas. Eu poderia ter abraçado o mundo, mas optei por gerir a vida no singular e encontrei certa paz diante do caos. Não sem abrir mão de outras coisas, como possibilidades de compras, viagens, passeios e prazeres que exigem rentabilidade e que, diante de tudo, me custaram muito pouco ficar sem. Não que eu fosse viajar, mesmo que pudesse, pois não tenho coragem de negar um pedido médico. E eles estão há meses quase implorando para que a gente não saia de casa, a não ser para o trabalho e essencial.

 O fato é que não há muito o que se comemorar coletivamente. Dia após dia vemos nossa sociedade falhar miseravelmente. Diante disso, considero ter feito minha parte da melhor maneira possível, com os dois pés fincados na realidade. Nem ao meu filho, de apenas 6 anos, neguei isso: o saber do que se passa além da nossa fronteira domiciliar. Só sei que ele já reage e agradece pelo que tem a cada brinde feito antes das refeições e na prece antes de dormir. Pelo que de vez em quando ouve os adultos lamentarem ou assiste no jornal da TV, se compadece. Movimentos antivacinas, descrédito à ciência, idolatria política e linchamentos virtuais de instituições consagradas (que veem seus nomes e reputações afundados na lama das Fake News) fazem parte do cotidiano, porém não vamos naturalizar esses comportamentos disfuncionais, quase psicóticos, jamais.

 Talvez seja difícil pensar em um mundo melhor no qual não veremos, nem mesmo nossos netos ou até bisnetos. Porém, essa guinada precisa um dia acontecer e se não hoje, quando? Se não nós, quem? Quando falo em desprendimento, lá no começo do texto, creio que seja esse o X da questão. Não veremos a mudança que tanto queremos, mas não podemos parar de nos movimentar e buscar clareza de pensamentos. Enquanto escrevo, volto a elaborar em como ressignificar está intimamente ligado à época, nos trazendo novos horizontes. Contudo, não será em uma ou duas noites que tiraremos o atraso ou encontraremos todas as respostas. Se por um acaso, perdermos o medo de morrer, que ainda tenhamos medo de matar. As festas de Natal e Ano Novo podem ser o epicentro das famílias se reencontrarem, se perdoarem, se abraçarem e festejarem, mas junto com isso abrirão milhões de precedentes para a propagação descontrolada do vírus – que passa quase batido por uns e maltrata, judia e tira a vida de outros – como infelizmente já sabemos e da pior forma.

 Cada um de nós tem (ou devia ter) pelo menos um motivo para se reunir e comemorar. Mas se para quem, como eu, acredita que aquele casal de imigrantes precisou fugir e se esconder para que o filho de Deus nascesse e antes de morrer numa cruz para nos salvar deixasse uma lição importante de humanidade, desconfio seriamente que hoje Jesus trocaria todo ouro, incenso e mirra por um olhar ao próximo com mais compaixão. Já que em 25/12 o aniversariante é Ele, seria interessante escolher o presente priorizando seu estilo e interesses. É o que normalmente fazemos, não?!

 Há 2020 anos, Cristo não deu prévias de onde a comunicação poderia chegar, mas arrisco dizer que já naquele tempo usaria a tecnologia em prol do bem-estar de todos (mesmo daqueles que o queriam pelas costas). Aposto que o único e verdadeiro messias que tivemos estaria pregando a palavra virtualmente e pedindo para que ficássemos em casa, em homenagem aos que partiram e, sobretudo, por proteção aos que estão tendo a chance de ficar. Podem não ser os apóstolos propagando a mensagem, mas reza a lenda que a inteligência é um dom que foi dado ao ser humano para ser amplamente utilizado a nosso favor. Os cientistas estão aí para provar, tentando incansavelmente. Que tal a gente facilitar o enredo e o desfecho, só pra variar? Isso sim seria um belo ressignificar 2020.

Feliz Natal! 

Até a próxima!

Patricia Pavloski Perez

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