Um desejo só morre se saciado ou a vida online
Chegamos finalmente em dezembro, nesse ano completamente maluco, onde fomos forçados a, literalmente, viver um dia de cada vez – e aqui não falo sobre a onda Good Vibes do momento: Mindfullness ou algo assim – me refiro a esse distanciamento imposto por essa crise sanitária sem precedentes que, definitivamente, não estava nos planos de ninguém.
Para um povo como o nosso, que adora uma rua, é árdua a tarefa e raramente contempla o trabalhador que desde o início da pandemia, não teve essa opção, diga-se de passagem, enfiados em ônibus lotados e certamente vou trazer muito o tema desigualdade neste espaço.
Que fique claro que escrevo do alto do meu lugar de privilégio, chamado casa de família, onde me vi retornando após anos para não enlouquecer, vivendo sozinha em outro estado, mas isso é assunto para um outro momento.
Para quem teve a possibilidade de manter o distanciamento social e trabalhar home office, acabou de uma maneira ou de outra tropeçando e caindo em alguma “live”. Foram reuniões, cursos, e muitas saudades minimizadas pelo zoom, horas infinitas desprendidas online. Foi uma maneira de nos sentirmos menos sozinhos e isolados. Os mais conectados fizeram seus próprios conteúdos e possibilitaram suas interações com o mundo externo, as reuniões aconteceram por ZOOM, MEET e afins; festas de aniversário, casamentos, romances e as mais variadas interações sociais como um todo, tão necessárias, de bicho que somos. Dito isso, aqui não foi diferente.
Por indicação de um amigo virtual, porém bem presente – que cursa medicina e se tornou consultor de saúde mental nos meus momentos críticos de ansiedade- foi que descobri uma página chamada “Psicanálise no cinema”, dois dos assuntos que rapidamente despertam meu interesse. O fazer artístico é o ar que respiro e o cinema uma das minhas grandes paixões e quando eu falo sobre paixão, rapidamente me vem a palavra desejo e o salto do desejo sempre transcende por aqui, querendo revolucionar e desorganizar tudo, dançando entre os extremos.
Como artista, sou completamente curiosa pela psique humana, como roteirista, é sempre um desafio essa construção da personalidade nas personagens que habitam os imaginários das histórias. O canal Psicanálise no cinema, costumo dizer que é o meu preferido da “QuarenteRna” e o Bruno Campos é um profissional da área da saúde mental que nos seduz com uma didática, não professoral, porém muito carismática.
O fato é que me senti em boa companhia por essas possibilidades que nos permitiram existir de diferentes formas e num destes episódios da LIVE, ele trouxe o tema desejo e – mais do que nunca- devido ao isolamento, o desejo recebeu uma atenção prioritária sobre o que é realmente importante. Falar sobre nossos objetos de desejo, como condição humana, nos colocam em negociação consigo mesmo numa provocação infinda sobre necessidade x desejo.
O fato é que a arte- sempre tão fundamental- amenizou os dias mais críticos de solidão e também tantas formas para conhecer a si mesmo, encontro esse que muitos de nós evitamos, pela correria dos dias ou pelo medo do auto confronto. Como já disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E, se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.”
A palavra escrita me salva tão quanto a palavra falada, sempre que me vejo prestes a transbordar, as palavras sempre me esvaziam do excesso. Esse ano me pego debatendo com minha sobrinha afilhada de 6 aninhos sobre desejo x necessidade, graças a QUARENTERNA, ao home schooling e ao home office estamos ainda mais próximas, costumo brincar que virei mãedrinha e posso afirmar que é um dos papeis sociais que mais amo exercer.
Foi a pouco tempo que comecei a diferenciar o desejo da necessidade e isso requer maturidade, visto a quantidade de vezes que repetimos as frases consigo x não consigo na busca eterna por satisfação pessoal. Numa das lives do Bruno, traçando esse paralelo com o cinema, ele cita que a maioria das vezes o desejo está negociando com o abismo, a metáfora é utilizada como sendo uma negociação com a morte. Tenho comigo uma frase que obviamente traz consigo a intensidade da adolescência, de quando foi escrita, mas que ainda carrego no peito junto com as paixões que me absorvem e me inspiram: Um desejo só morre se saciado! Com a percepção que a passagem do tempo nos traz, sei que se pode matar desejos de outras maneiras, não os alimentando, por exemplo.
E nesse momento o qual estamos passando juntos – cada um se articulando dentro das suas possibilidades – momento esse que jamais chamaria de novo normal, porque me recuso a encaixar nossas vivências em caixinhas de padrões, deixo com vocês a questão que tem me atravessado: O medo de se jogar tem feito você deixar de FLERTAR COM O ABISMO? Espero que não!