Tudo bem estar magoado com 2020
Os finais de ano são difíceis, mas também são muito bonitos. Talvez finais de ano sejam extremamente ambíguos justamente por esse motivo. São difíceis porque são finais, e ninguém gosta de finais. São difíceis porque nos obrigam a revisitar momentos, decisões e acontecimentos que nem sempre queremos revisitar.
Nos obrigam a ponderar, refletir e ressignificar, e nem sempre queremos esse esforço. Nos obrigam a elaborar planos e metas, e talvez neste momento em específico este seja um exercício muito custoso.
A incongruência se encontra no fato de que há beleza em tudo isso. Há beleza no novo ano que está chegando, na renovação da esperança, no encontro e no reencontro, nas cores, músicas e luzes.
Finais de ano nos trazem a família reunida, a mesa farta, e os fogos que nos lembram: acabou, mas também começou.
E nesse clima todo de renovação e esperança costumamos agradecer pelo ano que passou, pelos ensinamentos e até pelo o que nos derrubou, mas acabou fortalecendo. E será que essa fórmula toda serve para 2020? Um ano que nos ensinou, claro, mas que também nos tirou tanto (e tantas).
A mensagem aqui não é de desesperança ou desespero. Se no final deste ano for possível olhar para trás, aceitar e agradecer, ótimo. Se foi possível aprender, criar, gerar e admirar, melhor ainda. Mas se a sensação for de mágoa, de que 2020 poderia não ter acontecido, de que não trouxe nada de bom, tudo bem também.
A mensagem aqui é para tomar cuidado com uma culpa que pode aparecer na virada de ano, quando diversas pessoas estiverem falando sobre como 2020 foi difícil, mas valeu a pena, como serviu para aprendizado e superação… E se você não sentir nenhuma parcela dessa gratidão, tudo bem.
Há espaço também para a mágoa, para o ressentimento, e inclusive para a raiva. Há espaço para tudo o que tem que ser sentido. A gratidão não é obrigatória. O espírito natalino pode não aparecer, os fogos de artifício podem não despertar a esperança da renovação, e tudo bem.
Não é necessário fingir que está tudo bem e que valeu a pena se esses não forem os sentimentos verdadeiros. Talvez a gente precise falar: Estou magoada com 2020. Este ano não foi legal. Foi muito difícil. E ainda assim estamos aqui, seguindo. Meu desejo é que em 2021 nós possamos voltar a amar as cores, as músicas e as luzes, mas se neste ano não for possível, tudo bem.
Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga, professora da Estácio Curitiba, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Paraná