E agora, como podemos retomar o diálogo?
Nos últimos anos vivemos, talvez em nível mundial, uma polarização do diálogo. Em partes por conta de uma divisão política forçada, sentimos a exigência de escolher lados – esquerda, direita, dentro, fora, sim ou não. E não há espaço para meios termos. Mesmo quem não se sente pertencente a um ou outro pólo, acaba comprando esta polarização para se sentir pertencente.
Quando o mundo nos apresenta a uma nova situação é comum que a gente reaja com extremos. É tudo ou nada – primeiro, nós mergulhamos de cabeça em um posicionamento, para depois encontrarmos um equilíbrio. O problema é que nós não somos interruptores, não existimos de um ou outro lado, mas somos seres fluídos e é possível ser e não ser ao mesmo tempo, acreditar e não acreditar, defender e não defender. Existe espaço para todo tipo de incongruência.
Todo esse movimento de polarização fez com que perdêssemos a habilidade de dialogar. Isso porque nos extremos não existe exceção, não existe abertura para outras possibilidades. Entre relações rompidas e famílias divididas, o que acontece é que quanto mais nos fechamos em grupos com as mesmas opiniões que nós – nossos clusters – menos precisamos dialogar. E quando esse diálogo é necessário, acaba aparecendo de forma inflamada, com brigas e manifestações de ódio. E agora chega o momento de retomar o diálogo, ou talvez aprender a dialogar, pela primeira vez. Mas como desenvolver essa habilidade sendo que sentimos a necessidade de defender nossos pontos e não ceder ao diferente?
Por sorte, não estamos partindo do zero, temos diversos estudos e obras com instruções que nos ensinam como retomar o diálogo. O livro ‘Comunicação não-violenta’, de Marshall B. Rosenberg, foi escrito em 2003 com o intuito de apresentar técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Mesmo não partindo do tema da polarização, nos apresenta habilidades muito importantes para que possamos sair de um diálogo respeitando e sendo respeitado. O autor vai nos dizer que a raiz de nossos conflitos interpessoais está mais na forma como expressamos nossas opiniões, do que nas opiniões em si. O conceito de Comunicação não-violenta aparece como uma alternativa de diálogo para estimular a empatia e a compaixão – ambos extremamente necessários para cultivarmos nossas relações.
A técnica parte do princípio de que precisamos reconhecer nossas tendências violentas – isso significa que, em condições de competitividade, naturalmente somos apoiados a usar estratégias de violência verbal ou física, tudo justificado pela defesa do que é nosso (seja nossa posse ou nossa opinião). O contrário seria a forma como tendemos a agir em ambientes acolhedores e cooperativos, com compaixão e empatia. Portanto, o primeiro ponto ensinado pelo autor é que diminuímos a probabilidade de que o outro seja violento, e também o nosso instinto violento quando criamos ambientes de diálogo que sejam acolhedores e compassivos. Para tanto, a principal técnica de comunicação não-violenta é a mudança de foco de ataque às opiniões para a expressão de como estamos nos sentindo diante delas. Sendo assim, ao invés de desmerecer a opinião do outro, podemos expor que aquela fala fez com que nos sentíssemos desrespeitados, tristes ou angustiados.
Essa simples mudança de foco, que deve ser exercitada nos diálogos do dia-a-dia, já pode ser um grande passo na direção de reaprender a dialogar e restaurar as relações que foram perdidas – bem como criar novas relações.
Quando contamos ao outro como estamos nos sentindo, mostramos nossa humanidade e as consequências de suas ações, o que abre possibilidade para aproximação, ao invés de defesa e afastamento. Ainda, dá abertura para que o outro também fale sobre suas emoções e sentimentos, buscando assim o principal ponto de um diálogo: as motivações pessoais, razões e história de vida que levaram as pessoas a defenderem tal ponto de vista. De forma instintiva, quando nos sentimos atacados, atacamos de volta. Mostrar nossa abertura ao diálogo e criar ambientes de acolhimento são os primeiros passos para a criação de relações que sejam verdadeiras e compassivas, voltadas ao diálogo, e das quais saímos ganhando a partir do compartilhamento de experiências e crescimento junto ao outro.
Marjorie Rodrigues Wanderley, psicóloga, professora da Estácio Curitiba, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Paraná.