Invasão Epistêmica: como o fenômeno sociológico se agravou durante a pandemia e porque devemos evitá-lo no futuro

Um dos maiores problemas que ficou evidente durante a pandemia foi a disseminação de notícias e informações falsas. As fake news passaram a fazer parte da nossa realidade e trouxeram prejuízos para a imagem de figuras públicas, políticos e também distorceram a realidade de acordo com o interesse de quem comunica. E, na pandemia do coronavírus, elas foram disseminadas tão rapidamente quanto a própria a doença. Não à toa, várias iniciativas foram criadas com o objetivo de combater a desinformação neste momento, um deles foi uma série lançada pela Unesco que divulgou áudios em diversas línguas com dicas de saúde e práticas que evitam a propagação de fake news.  

Contudo, outro fenômeno sociológico ainda pouco conhecido denominado como “Invasão Epistêmica” ou “Invasão Epistemológica” tem se mostrado tão nocivo quanto as notícias falsas.  O termo Invasão Epistêmica, criado por Nathan Ballantyne, é um fenômeno que ocorre quando alguém que possui especialização e conhecimento em uma determinada área, decide opinar sobre um tema que não domina. Este efeito se tornou mais comum do que nunca enquanto a pandemia do Covid-19 avançava pelo mundo. 

Muitas vezes, o efeito ocorre mesmo sem má intenção de quem propaga a informação, isso porque em uma situação de instabilidade todos se unem para procurar soluções. E com a crise de saúde pública que vivemos hoje, o que não faltou foram pessoas e até médicos receitando medicamentos e tratamentos milagrosos sem embasamento ou comprovação científica. Um levantamento realizado pelas iniciativas Coronavirus Facts Alliance e CoronaVerificad apontou 125 conteúdos envolvendo profissionais da área médica, cuja desinformação a respeito da doença foi propagada em mais de 40 países, incluindo o Brasil. Um dos casos mais conhecidos e que ainda está sendo debatido é a utilização de hidroxicloroquina para o tratamento preventivo do Covid-19. 

Este fenômeno tem acontecido dentro de grupos da indústria da saúde e até mesmo por políticos para os seus propósitos questionáveis, o que fez com que o  Conselho Federal de Medicina (CFM) precisasse intervir com advertência em uma nota de responsabilidade para profissionais da saúde que divulgavam tratamentos sem comprovação científica para pacientes com coronavírus. Ballantyne ainda cita: “A invasão epistêmica é onipresente nesta era de pesquisa interdisciplinar e reconhecer isso exigirá que sejamos mais modestos intelectualmente.”

As redes sociais colaboram para que a “invasão do saber” aconteça sem que haja responsabilização por parte de quem divulga ou compartilha conteúdos duvidosos.  E o maior problema neste caso é ter médicos que contribuem com a disseminação destas informações infundadas. Estes profissionais tão essenciais neste momento devem respeitar os limites de seu conhecimento técnico e ter responsabilidade com o que falam, para quem falam e onde falam. 

A Invasão Epistêmica está alcançando patamares perigosos especialmente na área da saúde durante esta pandemia e ficará de lição para o futuro. Afinal, qual o propósito em opinar publicamente sobre um assunto que não domina? Tenhamos consciência e modéstia para realmente ajudarmos uns aos outros baseados em nossas especialidades.

*Euclides Matheucci Jr. é co-fundador e presidente da empresa de biotecnologia DNA Consult e professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia na Universidade Federal de São Carlos. Euclides também é criador  do teste #SalvaVidasCovid que contribui para empresas retomarem suas atividades com a testagem dos colaboradores. 

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