Ter filhos é uma viagem
Diário de bordo – Dia 155 (segunda quinzena de agosto, quando finalizei este texto)
Para ler ouvindo: Put Your Records On – Corinne Bailey Rae [sc_embed_player fileurl=”https://afinamenina.com.br/wp-content/uploads/2020/08/Corinne-Bailey-Rae-Put-Your-Records-On-_vd.agenciadcp.jor_.br_.webm”]
“O futuro é o que você fizer dele. Então faça-o bem.” Essa frase do renomado Dr. Emmett L. Brown traz a perspectiva necessária para o pontapé inicial desta coluna. Aceitei o desafio de compartilhar minhas ideias e aspirações, sobretudo sob o ponto de vista materno, e vou me esforçar para a leitura de vocês valer a pena. Se o Dr. Brown fosse um coach e não o cientista que mandou Marty McFly para o passado, para o futuro e depois para o passado novamente (!), a essa altura, quanto da minha credibilidade já teria sido colocada à prova? Não respondam! Estou há dias pensando como enriquecer o debate, ou melhor, as boas conversas sérias que não abrem mão da leveza -nem sob tortura- para falar sobre a rotina de uma mãe em meio a uma pandemia sem parecer tola ou cair na redundância. Ou pior, acabar cedendo à tentação de querer elaborar qualquer tipo de conceito ou método – o que, definitivamente, não é o caso. Como também não tem nenhuma marca me patrocinando e nenhuma hashtag irá co-assinar este texto, tornando-o absolutamente impecável e motivacional, trago apenas ingressos para a pequena montanha-russa que tem sido o dia a dia aqui em casa desde o fatídico 17 de março de 2020, quando aderimos ao isolamento social.
Em linhas gerais, a pergunta central que vem permeando minha existência não é exatamente se estou fazendo tudo certo ao criar uma criança e um cidadão do futuro – que diferentemente do Marty, não tenho um DeLorean para verificar se deu certo -, mas sim se sou o tipo de adulta na qual eu desejaria que minha cria se parecesse um dia. É claro que cada um de nós possui traços próprios de personalidade, mas como alguém que tem 50% do seu DNA e fica ao seu lado aproximadamente 12 horas por dia (na quarentena, mais) poderia não replicar tudo aquilo que vê ao seu redor?! Eu arrisco dizer que é impossível. Eu observo com profunda amorosidade e um misto de encanto, agradecimento e precaução uma miniversão de mim mesma correndo pra lá e pra cá, a única diferença é que neste momento ela possui a mesma energia de um recreador da Carreta Furacão. E as semelhanças não são exatamente as que eu lembro da minha infância, a jornada está acontecendo exatamente aqui e agora. Como num reality, nada do que eu faça passa despercebido pelos olhinhos brilhantes emoldurados por sobrancelhinhas falantes do meu pequeno. Youtubers até tentam impor um legado (com certo sucesso, receio), mas no fim das contas somos nós, os pais, o principal reflexo dessa geração que cresce na mesma velocidade do número de seguidores dos influenciadores digitais.
Só que no terreno fértil da maternidade e paternidade, essencialmente repleto de amor, esperanças e receios, uma verdade costuma ser assustadora: não há perfeição. Por isso, quando ouvimos que o caminho é sermos o melhor que podemos esse sim é um conselho que deveria ser amplamente difundido nas rodas de conversa sobre o assunto. Apesar de sempre ter isso em mente, não foram poucas as vezes em que me sabotei para tentar abraçar o mundo. Como não consegui, tive que equilibrar a balança e fazer o inevitável para fugir da frustração constante: escolhas e renúncias. Hoje, se me perguntam que tipo de mãe eu sou logo me vem à mente a palavra ENVOLVIDA. Porque é isso que tenho feito, estou mergulhada de corpo e alma nesta aventura intrépida e ousada, mais aprendendo do que ensinando. E percebendo, nem sempre diante de um campo florido, que quem eu sou, minhas atitudes e a maneira como eu vejo o mundo impactam muito mais o comportamento da minha prole do que toda e qualquer literatura que eu tenho lido a respeito da criação dos filhos.
Parei de não me julgar boa o bastante por não dar conta de tudo. Parei de me achar fraca se pedisse ajuda ou admitisse que era preciso desacelerar. Para ir na contramão dessa cultura da exaustão, mesmo que a passos de tartaruga, me afastei desse conceito como sinônimo de sucesso e produtividade e passei a olhar com mais generosidade para mim mesma, minhas relações e meus compromissos. Finalmente abri o coração ao essencial: percebi que com autocuidado, do físico ao emocional e intelectual, estou dando ao meu filho a oportunidade de ajudá-lo a enfrentar as insistentes mensagens da sociedade que nos sobrecarregam e culpam. Encarei o espelho e com franqueza me fiz a temida pergunta: como eu posso querer que este ser humano em franca formação não seja ansioso, não se cobre tanto e se perceba no mundo enquanto criança se estou a mil por hora na rodovia das intermináveis tarefas adultas, indo dormir com a sensação de que o dia deveria ter mais de 24h?
Ajustei os ponteiros, não da máquina do tempo que só existe no cinema, e estou quase inteiramente no presente no qual sou a mamãe de um menino de 6 anos, em idade escolar, sem pressa para crescer e cheio de criatividade e imaginação. Na minha realidade, comecei fazendo muitas concessões enquanto luto para ainda sobreviver ao atual momento – para minha sorte, contando com uma pequena grande rede de apoio incondicional. Dos vícios da modernidade, saí à francesa de todas as comunidades de ajuda das redes sociais e dos diversos grupos de WhatsApp. Vocês não fazem ideia do tempo de qualidade que sobrou (só acreditei vendo, real oficial). Pratico exercícios regularmente e tento brincar de faz de conta, de preferência sem espiadinhas no celular. Eu respiro e durmo melhor. Apostaria que tudo isso pode ser mensurado e adaptado, dependendo de onde você me lê.
Para terminar, trago um trecho do livro “A Coragem de Ser Imperfeito”, da Brené Brown (nada é por acaso), onde ela convoca os pais a aceitarem suas vulnerabilidades ajudando os filhos a serem pessoas plenas (percurso que pode durar a vida inteira).
“Em outras palavras, se quisermos que nossos filhos amem e se aceitem como são, nossa tarefa é amar e nos aceitar como nós somos. Não podemos nos entregar ao medo, à vergonha, à culpa e ao julgamento em nossa própria vida se quisermos criar filhos corajosos. Compaixão e vínculo – as virtudes que dão sentido e significado – só podem ser aprendidos se forem experimentados. E a primeira oportunidade para isso está dentro da família.”
Até a próxima!