A saúde não pode esperar
Foram cerca de quatro meses de pandemia de COVID-19 no Brasil até que pudéssemos atingir o estágio de avaliar, a partir do comportamento do vírus, quais serão os próximos passos para redesenhar o futuro da saúde no país.
Entre aprendizados, observamos que o isolamento social praticado no Estado de São Paulo permitiu o achatamento da curva de contaminação, o que evitou o colapso da saúde. Vale lembrar que, durante todo o período de avanço da pandemia, diversas medidas foram sendo incorporadas na rotina da população, como o uso de máscaras e sistemas para evitar aglomerações em áreas comuns e estabelecimentos, em seguimento às determinações das autoridades competentes.
A partir do momento em que incorporamos essa nova realidade, torna-se essencial que retomemos o diálogo sobre todas as enfermidades que ficaram à margem dos atendimentos da saúde até o momento. Aquilo que chamamos de “efeito colateral” da pandemia levou a óbito pacientes portadores de doenças graves que deixaram de realizar tratamentos e exames, bem como de procurar atendimento diante de sintomas.
É sabido que a super utilização dos serviços de saúde de urgência e emergência sempre foi uma característica da população brasileira, cujo hábito era utilizar o pronto-socorro (PS) mais como um pronto-atendimento do que como serviço de urgência e emergência. Antes da pandemia, por exemplo, apenas algo entre 30% e 40% dos atendimentos realizados nos prontos-socorros poderiam ser classificados como de fato emergenciais.
Com o avanço dos casos de COVID-19, no entanto, foi observado uma queda de quase 80% nos atendimentos no PS. Desse total, entendemos que aproximadamente 20% deixaram de buscar atendimento em situações de real urgência.
O reflexo dessa mudança de postura da população foi o aumento de situações preocupantes, com pacientes chegando ao hospital em quadros avançados de infarto, AVC e apendicite aguda, entre outros casos que poderiam ter seus riscos e sequelas reduzidos ou evitados. Situações como estas evidenciam o medo que a população desenvolveu ao longo dos últimos meses.
Ao mesmo tempo, uma série de doenças crônicas deixaram de ser diagnosticadas em seus estágios iniciais, dificultando seu controle. Enfermidades como diabetes, hipertensão, insuficiência renal, insuficiência cardíaca, asma, cirrose hepática e tantas outras que afetam a qualidade de vida de seus portadores, bem como diversos tipos de câncer, cujo diagnóstico precoce é um fator preponderante no combate à doença.
O resultado teve um impacto no número de óbitos em domicílio registrado no Estado de São Paulo, que apresentou aumento de 16% até agora, quando comparado ao total do ano de 2019.
É importante lembrar que a morbimortalidade destas doenças pode ser tão ou mais intensa do que a apresentada pelo COVID-19. Por isso, é fundamental que a população se sinta segura para voltar a procurar atendimento, dando continuidade aos seus cuidados básicos de saúde.
A saúde não pode esperar. Deve-se buscar meios e se preparar para que todos os serviços do setor sejam retomados sem ônus aos pacientes.
Neste sentido, as instituições devem desenvolver fluxos de atendimento diferenciados, seja em caráter emergencial ou eletivo, evitando contaminações cruzadas. A recomendação é que sejam definidas áreas específicas, separadas fisicamente para tratar os pacientes com suspeita de COVID-19, ou mesmo com exame positivo para o vírus, daqueles pacientes que forem classificados como não suspeitos, ou seja, que não apresentem sintomas respiratórios, alteração de exame de PCR ou tomografia.
Sobretudo, devemos e precisamos voltar a utilizar nosso sistema de saúde de maneira prática e racional, buscando o equilíbrio na utilização dos serviços para que possamos atravessar esta crise com a menor baixa de pacientes possível, seja ela por COVID-19 ou por outras patologias.
Fernanda Fontanezi é médica e diretora da Unidade de Santana da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo