A moda agora é o reuso
A indústria da moda é responsável por cerca de 8% a 10% das emissões globais de gases-estufa e impacta o meio ambiente mais do que o transporte marítimo e o avião juntos, além de ser a segunda economia que mais consome água e responsável por liberar 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos ano a ano, de acordo com levantamento feito pela ONU Meio Ambiente em 2019.
Questões como produção, escolha de matérias-primas, descarte quase que imediato das peças pelos consumidores e intensa fabricação mundial estão entre os fatores mais críticos para a poluição ambiental. Ainda segundo a ONU, apesar do lucro, pois a indústria está avaliada em cerca de US$ 2,4 trilhões e emprega mais de 75 milhões de pessoas internacionalmente, são perdidos anualmente cerca de US$ 500 bilhões com o descarte de roupas que vão para lixões e aterros sem serem recicladas.
Devido a algumas revoluções no universo da moda, a evolução das gerações e da consolidação das mídias sociais e das novas tecnologias como a principal fonte de busca e manifestação dos consumidores modernos, o mercado compreendeu que as roupas deixaram de ser apenas um item de necessidade básica e se transformaram em símbolos culturais, objetos de desejo, poder de aquisição e parte importante da impressão de personalidade.
Em contrapartida, muita coisa vem mudando nos últimos tempos. Os consumidores, especialmente as novas gerações, estão cada vez mais envolvidos em questionar e cobrar das marcas e indústrias comprometimento e posicionamentos sobre temáticas como inclusão e empoderamento, conforto atrelado a estilo, ações sustentáveis e processo de produção e descarte de roupas, o que resultou em uma significativa mudança de comportamento que estreita e repensa a relação das pessoas com o consumo de roupas e acessórios e tem provocado grandes mudanças no mercado, principalmente na moda.
Quem ganhou com isso foram os brechós, que, muitas vezes, são a opção número um para quem deseja ter uma peça “nova” sem ceder às tradicionais lojas de departamento.
O preconceito com os brechós vem sendo desmistificado e parou de ser visto como um ambiente pouco convidativo, com itens velhos e mal conservados. Os motivos variam, mas comprar peças de segunda mão caiu no gosto das pessoas e atinge diversas camadas sociais. De todos os estilos e gostos, eles podem ser voltados para diversos setores da moda, inclusive para os de luxo, com itens de estilistas e alfaiates. Oferecer um leque de opções que varia entre produtos para crianças, jovens, adultos, gêneros e até mesmo para pets e para casa, além de proporcionar outras vantagens, como, por exemplo, a comodidade de receber as compras em casa, excelente preço e qualidade, inclusão, rapidez e confiança ao tratar diretamente com o proprietário do brechó.
Um levantamento feito pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostrou que seis em cada dez consumidores compraram algum item usado entre 2018 e 2019. A maioria dos entrevistados (96%) ficou satisfeita com a aquisição.
Atentas a essa tendência, as empresárias Raquel Sandenberg Lins (30) e Isabel Sandenberg Lins (25), fundadoras do Brechó Choque Size, encontraram uma oportunidade de negócio em Vila Velha, no Espírito Santo. ”Tenho um armário bem pequeno de roupa hoje em dia, e 80% é brechó. Não entro em uma loja popular há mais de dois anos. Ao me mudar para cá, tive essa sacada que não tem peças Plus Size nem muitos brechós aqui onde estou. Com isso, veio a ideia do brechó”, comenta Raquel.
A previsão é de que o mercado second hand continue em ascensão e dobre até 2025. De acordo com pesquisa realizada pela GlobalData, empresa de análise de varejo, o valor movimentado pelo segmento deve ir de US$ 24 bilhões para US$ 51 bilhões.
A transformação digital passou a ser uma aliada da crescente procura por brechós ao unir e facilitar, tanto para as pessoas que usam a tecnologia para empreender na internet, quanto para quem procura consumir os itens divulgados. “No passado, o consumidor precisava procurar no brechó muitas peças até encontrar o que combinasse com seu estilo. Hoje, ele consegue rapidamente navegar nas fotos do brechó, como se fosse uma vitrine digital, facilitando a visualização das peças e se inspirando em visuais ou composições sugeridas pelas lojas”, explica Davi Paunovic, consultor de negócios do Sebrae-SP.
Basta pesquisar no Google ou nas redes sociais para encontrar rapidamente muitos perfis de brechós. A facilidade encontrada para abrir esse tipo de negócio é clara: os investimentos iniciais são baixos e todo o processo é rápido e eficaz. Sites especializados e redes sociais correspondem aos principais canais de compras, com 69% e 54% de preferência do público, respectivamente. Para essa pesquisa, a CNDL ouviu 837 consumidores acima de 18 anos de ambos os sexos, de todas as classes sociais, residentes nas 27 capitais do país.
Cada vez mais, a moda, os modelos de negociação e a forma de consumo se modificam, e é preciso se adaptar. Os brechós vão na contramão das tendências fast fashion e estão alinhados com as expressivas mudanças de comportamento e já dividem espaço com as vitrines de lojas populares e marcas renomadas. A prova disso é que algumas peças são vendidas no momento em que são publicadas no feed ou em poucas horas.
Outros temas que impulsionam as compras em brechós são a facilidade de encontrar peças vintage, como calça mom jeans, suéteres, entre outros, a cuidadosa curadoria, acessar grandes marcas com menor custo e a valorização das roupas e do trabalho dos vendedores independentes. O movimento slow fashion ou o ato de repassar roupas usadas para frente proporciona um imenso impacto social, econômico e sustentável.